O estudante de EAD, Gilvã Mendes, destaca-se na área literária e reforça o potencial educativo e inclusivo
Redação Publicado em 09/11/2009, às 08h59
Um lápis, um caderno velho, lembranças e rabiscos: são com esses elementos que a história de vida do estudante de EAD do curso de Letras, Gilvã de Jesus Mendes, deficiente físico e vítima de paralisia cerebral, ganhou as páginas do livro escrito por ele, “Queria brincar de mudar meu destino”.
E a brincadeira, sem pretensões como qualquer jogo infantil, ganhou contornos de realidade. Os estigmas que geralmente se colam a pessoas como o baiano Gilvã (deficiente, negro, pobre e nordestino) não serviram de barreira, mas como mola propulsora para que esse estudante de 25 anos chutasse o discurso de ausência com que algumas pessoas o enxergam à primeira olhada e encontrasse na educação e na literatura uma forma de ser grande, ser inteiro. O resultado de sua trajetória é contado em seu livro, que fala sobre deficiência e inclusão a partir da história de amor entre um jovem e a poesia. “A ideia surgiu na minha infância. Quando criança pegava um lápis e escrevia num caderno velho as histórias da minha vida”, relembra.
Gilvã é um dos brasileiros com necessidades educacionais especiais que estudam por meio de EAD. E para dar suporte a essas pessoas, a tecnologia assistiva entra em cena, disponibilizando diversas plataformas educacionais: para deficientes visuais ou cegos, há softwares gratuitos que promovem a conversão automática do arquivo de texto em sinais sonoros; os deficientes auditivos podem ter acesso ao próprio material escrito, mas no sistema de ensino COC, por exemplo, é disponibilizado um intérprete de libras nos próprios polos, com o objetivo de que os regionalismos comuns à língua portuguesa não atrapalhem o entendimento do conteúdo didático. A comunicação entre e para deficientes auditivos também ganha apoio por meio de uma das características atuais desse público – eles estão bastante inseridos no mundo da tecnologia, como explica a coordenadora do curso de Pedagogia da Faculdade Interativa COC, Marina Caprio. “Os surdos são altamente tecnológicos, usam bastantes torpedos, chats”, explica.
Adesão - A educação a distância de fato abre uma gama de possibilidades à formação de pessoas com deficiência. Contudo, a participação desse público ainda não é tão vasta assim. O setor de EAD cresceu 200% nos últimos quatro anos, conforme dados do Anuário Brasileiro Estatístico de Educação a Distância, mas dos 300 mil alunos de graduação a distância, apenas 137 são deficientes (Censo da Educação Superior de 2007).
Os maiores beneficiados são os portadores de baixa visão, que representam 38,68% do montante total. Em seguida, aparecem os deficientes físicos (29,19%), cegos (17,51%), deficientes auditivos (7,29%), surdos (3,64%), deficientes mentais (2,18%), alunos com múltipla deficiência (0,72%) e aqueles com transtornos globais de desenvolvimento (0,72%).
Caprio avalia que o número de pessoas com necessidades educacionais especiais ainda é reduzido devido ao perfil não inclusivo da educação básica brasileira. “A principal dificuldade desse público não é ir ao polo de ensino. A questão é que não temos jovens e adultos que concluíram os estudos, nossa educação básica não está preparada para esse público, não possibilita a inclusão deles”, esclarece, prevendo que quando essa realidade tiver sido resolvida e superada, será possível maior inserção dessas pessoas no ensino superior.
Em relação à EAD de uma forma geral, a coordenadora aponta que é preciso baratear o acesso à banda larga - pois, sem internet, muitos alunos não dão continuidade aos estudos em casa – e a necessidade de reconhecimento da sociedade de que nem todas as instituições de ensino em EAD não têm qualidade. “Tem presencial que é ruim”, alerta Caprio. A falta de pesquisas na área é outro ponto abordado na entrevista.
Já do ponto de vista do cotidiano dos estudantes, Gilvã acrescenta que seria interessante que não apenas o material, mas as aulas também fossem disponibilizadas no site da instituição em que estuda, a Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), em Salvador (BA).
EAD e seus sonhos – É crescente a procura em todo o país por cursos a distância por parte dos alunos com necessidades educacionais especiais, destaca Marina Caprio. “Temos alunos com deficiência visual, auditiva e física matriculados regularmente. Tem aumentado a demanda”, pondera. Gilvã também destaca que nesses últimos anos a busca por esse método tem aumentado gradativamente. “Vejo isso lá na faculdade e logo creio que as pessoas com deficiência têm encontrado uma forma de inclusão tanto na sua vida profissional como na social. O preconceito também vem diminuindo consideravelmente, pois as pessoas não estão tendo tempo para estudar presencialmente, então buscam uma faculdade EAD”.
O estudante-escritor-poeta avalia que gosta da modalidade a distância porque ela dá mais autonomia ao aluno, já que ele próprio pode programar o seu tempo para estudar, incentivando “um espírito desbravador”, nas palavras dele. “São os tutores e professores que nos inspiram isso”, explica. Diferentemente dos cursos presenciais, em que, segundo ele, os professores deixam os alunos dependentes e pouco proativos.
O mundo de possibilidades que o método oferece não para de crescer, assim como os sonhos de Gilvã: o homem que queria brincar de mudar seu destino quer seguir a carreira de escritor, sonha em fazer uma pós por meio de EAD no futuro e convida os leitores que olham para si e ainda duvidam de suas potencialidades com uma frase-chave de seu livro: “O homem não é fruto do meio e sim dos seus sonhos”.
Luana Almeida/SP
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