Já é lugar comum apontar como um dos grandes avanços dos oito anos de governo Lula, o adensamento da classe média. A famigerada ascensão da classe C já propiciou incontáveis análises de cunhos econômico, sociológico e cultural. Até mesmo o número de salas de cinema e shopping centers vêm aumentando a reboque do alargamento da classe C.
Contudo, não é de hoje que a classe média desperta o interesse do cinema. É inegável, porém, que esse interesse – pelos menos em seus contornos midiáticos – se encontra renovado no Brasil. E é do Brasil que vem uma das melhores retratações sobre “a nova classe média” no cinema. “Trabalhar cansa” é uma elaborada mescla de gêneros cinematográficos sustentado pelo drama de uma família de classe média paulistana. Quando Helena resolve abrir o mercadinho da família, o marido Otávio é demitido do trabalho. Eles decidem dar sequência à empreitada mesmo diante do revés inesperado. Os dissabores de gerir um negócio – ainda mais quando há pouco tato para isso – são entremeados por acontecimentos suspeitos que aferem à narrativa uma atmosfera de suspense. O filme, que marca a estréia da dupla de diretores Marco Dutra e Juliana Rojas, é bem sucedido em delimitar os conflitos entre aspirações, possibilidades e realizações da classe média; justamente aquela que irá se reconhecer no cinema.
Essa maturidade temática e narrativa do cinema brasileiro encontra par em uma produção americana datada de uma década atrás. Trata-se de “Beleza americana”. O filme vencedor de cinco Oscars, além de relativizar o famigerado “american way of life”, esmiúça como os desejos não realizados e anseios característicos dessa fatia da população contribuem para o desgaste familiar e o descontentamento profissional. Se em “Trabalhar cansa”, o marido é demitido, em “Beleza americana” ele se encontra desmotivado com seu trabalho a ponto de forçar a demissão. Tanto em um quanto em outro, o diálogo dentro da união matrimonial estremece e o assombro da incompletude se estabelece. Ocorre que “Beleza americana” é um exemplar mais convencional e se arrisca mais ao pintar seus personagens com cores reais. Além de demolir certas fachadas do politicamente correto (há suicidas, adultos embasbacados por adolescentes, traições, discriminação sexual e tráfico de drogas em um mesmo quarteirão), o filme busca uma compreensão do ambiente que reproduz que falta ao filme nacional.
Outro filme a esquadrinhar a classe média de maneira surpreendente é “Casa de areia e névoa”, dirigido pelo ucraniano Vadim Perelman. Na fita, Kathy mergulha em profunda depressão após ser abandonada pelo marido. Por um erro administrativo da prefeitura, sua casa vai a leilão e é adquirida pelo imigrante iraniano Massoud Amir Behrani. “Casa de areia e névoa” então se resolve como um drama sobre a conquista (e defesa) do sonho americano; que podemos traduzir como a conquista da casa própria. Bem sabemos que esse patrimônio ainda é o principal sonho de consumo da classe média no país. Também o é em outros países.
O que os três filmes suscitam, em ritmos e tonalidades peculiares, é que os mesmos sonhos que nos movem podem nos paralisar. A velocidade com que o mundo se move, e nos exige respostas, estipula conflitos cruéis e etéreos em níveis físicos e emocionais.
Parece óbvio que isso nos acometa sem distinção de classes, mas todo o crescimento traz consigo as dores da maturidade. De certa forma é o que ocorre com a classe média, em especial com os recém- ingressos.
Serviço:Trabalhar cansa Ano de produção: 2011País: BrasilDireção: Juliana Rojas e Marco DutraEm cartaz nos cinemas
Beleza americanaNome original: American beautyAno de produção: 1999País: Estados UnidosDireção: Sam MendesDisponível em DVD
Casa de areia e névoaNome original: House of sand and fogAno de produção: 2003País: Estados UnidosDireção: Vadim PerelmanDisponível em DVDPor Reinaldo Matheus Glioche