Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro determinou a suspensão do novo concurso da PM/RJ para seleção de alunos oficiais a pedido de associação de delegados. Denúncia é de que certame tem caráter restritivo, pois exige formação em direito
Samuel Peressin Publicado em 27/01/2017, às 15h41
O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE/RJ) determinou a suspensão do novo concurso da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PM/RJ) para o Curso de Formação de Oficiais (CFO).
A decisão, divulgada na quinta-feira (26), foi tomada após o TCE receber uma denúncia da Associação dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro (Adepol/RJ) de que a seleção possui caráter restritivo, já que só podem participar candidatos com ensino superior em direito. De acordo com a acusação, outro agravante é que o edital não teria sido enviado para análise prévia do TCE, como determina a legislação.
O Instituto Brasileiro de Apoio e Desenvolvimento Executivo (Ibade), responsável pela organização do processo seletivo, emitiu na manhã desta sexta-feira (27) um comunicado informando que, como os candidatos, está “no aguardo da manifestação oficial da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro referente à suspensão do concurso”. De acordo com a banca, o posicionamento da PM/RJ será divulgado ainda hoje, até as 16h.
Com inscrições encerradas em 15 janeiro, o concurso já havia causado polêmica por conta da limitação do número de vagas para mulheres. Dos 50 postos em disputa, apenas cinco foram destinados a concorrentes do sexo feminino. A restrição gerou questionamentos, já que contraria as regras do processo seletivo anterior, realizado em 2014, quando não houve divisão no número de postos.
Diretor da Focus Concursos, escola especializada em preparação para processos seletivos, Daniel Sena, que também é advogado e especialista em direito público, vê a decisão da PM/RJ como “desproporcional e desnecessária”.
“Apesar de caminharmos para uma igualdade de tratamento nos cargos públicos, alguns concursos fazem esse tipo de restrição na quantidade de cargos destinados as mulheres. O Supremo Tribunal Federal já consolidou o entendimento de que é possível restringir o acesso a um cargo público caso haja previsão em lei e necessidade da restrição para o bom desenvolvimento da função. No caso das vagas para oficiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro, a distribuição me parece desproporcional ao reservar apenas 10% das vagas para as mulheres em relação à quantidade destinada aos homens”, afirma.
Sena lembra que a resistência à figura feminina é maior quando se fala em cargos militares. “Existe uma justificativa de que a função militar é desempenhada melhor pelos homens em razão da necessidade de vigor físico e em razão da maior parte da tropa ser formada por homens. Essa justificativa tem se provado desarrazoada ao longo dos anos em virtude das diversas mulheres que têm ocupado cargos de comando em grandes corporações, inclusive nas instituições militares”, diz.
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Em nota, o coronel da PM/RJ Roberto Vianna, comandante da Academia Dom João VI, onde ocorre o CFO, esclarece que a limitação das vagas para mulheres está fundamentada em bases legais e técnicas.
"O primeiro aspecto é legal. A Procuradoria Geral do Estado, diante de exames de educação física distintos a serem aplicados a homens e mulheres, decidiu pela limitação do número de vagas femininas. O outro aspecto é técnico. Mais de 90% dos abordados e presos são homens. A legislação processual penal prevê que se deve evitar a revista de mulheres feita por homens. Devemos pensar em evitar o constrangimento que a revista em homens feita por mulheres também pode gerar. Neste caso, o critério foi dimensionado à realidade do estado do Rio de Janeiro", declara o coronel.
Embora aponte a predominância masculina nas revistas pessoais durante abordagens como um dos motivos para o menor número de oportunidades a mulheres, Vianna admite que o CFO tem como finalidade preparar tenentes e capitães. "Estes profissionais irão atuar gerindo e analisando situações, em primeira mão, decidindo o que deve ser tratado como crime", explica.
De acordo com o edital, os oficiais formados no CFO exercem funções de "comando, direção e chefia nas atividades da Polícia Militar". São listadas entre as atribuições do cargo: comando de pelotão; coordenação de policiamento ostensivo, reservado e velado; participação do planejamento de ações e operações; desenvolvimento de processos e procedimentos administrativos; e condução de processos administrativos disciplinares e inquéritos policiais militares; além de outras atividades.
Os alunos oficiais têm direito a remuneração inicial de R$ 2.550 ao longo do período de formação, que dura dois anos. Os vencimentos sobem para R$5.321,22 ao término do CFO, quando os concursados são elevados ao posto de aspirante a oficial. Depois disso, ao atingir a condição de segundo tenente, os policiais passam a receber R$ 6.595,83.
Para Sena, cabe ao Ministério Público intervir no caso. “Vivemos em uma época de ampliação dos direitos e garantias fundamentais, principalmente no que tange a igualdade de direitos em razão do gênero”, completa.
A restrição imposta pela PM/RJ destoa de concursos na área da segurança pública promovidos pela Polícia Federal e também por outros Estados, como São Paulo, que conta a maior Polícia Militar do país em termos de efetivo.
Nos dois exemplos citados, cercear a participação feminina em certames é prática que ficou no passado. O que vale agora é o desempenho nas etapas de seleção: as vagas em aberto ficam com que obtém melhor classificação, seja homem ou mulher.
Em São Paulo, os dois concursos abertos em 2016 –para soldado (2.293 vagas) e aluno oficial (131) – pela primeira vez não impuseram limitador por sexo na distribuição dos cargos.
Um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados propõe a reserva de 25% das vagas a mulheres em concursos públicos na área de segurança. A proposta foi aprovada, por unanimidade, na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, em 13 de dezembro.
O projeto está agora na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público. Após apreciação, se houver parecer positivo, deverá passar, ainda, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
De autoria do deputado Cabo Sabino (PR/CE), a proposta prevê a garantia de percentual mínimo a concorrentes do sexo feminino sempre que o concurso contar com oferta superior a quatro vagas.