Concursos públicos: Câmara aprova PL que aumenta cotas para negros

Projeto de lei apresentado no Senado Federal prevê reserva de vagas em concursos públicos do governo federal, na administração direta e indireta

Fernando Cezar Alves   Publicado em 21/11/2024, às 09h14

Palácio do Planalto: Divulgação

Foi aprovado, na Câmara dos Deputados, na última terça-feira, 19 de novembro, o projeto de lei 1958/21, que prevê a ampliação da oferta de vagas para negros em concursos públicos do Governo Federal, que deve passar de 20% para 30%. A proposta deriva do projeto de lei 958, do senador Paulo Paim (PT SP), aprovado no Senado em abril. No entanto, como a proposta passou por alterações na Câmara, deve retornar ao Senado.

O texto substitui a última Lei de Cotas no Serviço Público, que perdeu a validade no último mês de junho.   

A proposta determina o direito em concursos realizados pela administração pública direta federal, bem como pela adminsitração indireta, incluindo autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mistas controladas pela União.

A reserva será considerada sempre que o certame contará com duas ou mais vagas, também sendo utilizada para eventuais oportunidades que surgirem durante o prazo de validade da respectiva seleção.

Concursos públicos: veja justificativa da proposta

Este projeto de lei objetiva reservar aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

A reserva de vagas para negros em concursos públicos é uma espécie de ação afirmativa. Ações afirmativas, é bom rememorar, são programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades e para a promoção da igualdade de oportunidades.

As ações afirmativas tratadas neste projeto de lei consistem, pois, em ações proativas estatais que visam à mitigação da discriminação no acesso a cargos públicos sofrida pelos negros, fruto de um racismo estrutural presente em toda a sociedade e de um racismo institucional presente no aparelho de Estado.

Decorrências lógicas de uma estrutura social escravocrata que existiu por quase 400 anos dos cerca de 520 anos desde nossa “descoberta”, o racismo e a discriminação racial produzem como efeitos concretos e dimensionáveis, entre tantos outros, a preterição do negro no acesso a bens, serviços públicos, mercado de trabalho, renda, representação parlamentar e aos cargos públicos, estes últimos, objeto imediato do projeto que ora apresentamos.

Nesse sentido, é fundamental que o Estado aja de forma efetiva para que as abissais diferenças no acesso aos cargos públicos sejam enfrentadas. A política de reserva de vagas nos concursos públicos tem se demonstrado instrumento relevante, como apontam os estudos sociológicos especializados.

Na verdade, este projeto reproduz, na íntegra, a Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, que possui o mesmo objeto. A pergunta imediata que surge após essa constatação é: para que outra Lei idêntica à que já existe? É que a Lei nº 12.990, de 2014, estabelece, no caput de seu art. 6º, sua vigência por dez anos. Assim, a política de reserva de vagas para pretos ou pardos nos concursos públicos no âmbito da administração pública federal
proposta em 2014 deixará de existir em 2024.

A política de reserva de vagas nos concursos públicos federais proposta pela Lei nº 12.990, de 2014, tem, como todas as ações afirmativas, como um de seus traços característicos a temporariedade.

Dessa forma, passado o tempo estipulado para sua vigência, a política deve ser reavaliada, a partir dos dados objetivos da realidade que se pretendia impactar. Se a realidade foi positivamente impactada e os resultados pretendidos foram alcançados, não há mais razão para sua permanência. De outro lado, se os resultados não foram alcançados ou apenas o foram parcialmente, a política deve permanecer.

Teremos alcançado um resultado adequado quando o número de pretos e pardos na administração pública federal corresponder ao percentual desse segmento populacional na população total do país.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra (pretos e pardos) corresponde a cerca de 56% da população total do país. Assim, alcançado e mantido esse patamar, não seria mais necessária a política de reserva de vagas nos concursos públicos federais.

De acordo com o artigo “Cresce número de negros no serviço público; brancos ainda são maioria.” (publicado em 6 de março de 2021, no sítio eletrônico https://www.metropoles.com/brasil/economia-br/cresce-numero-denegros-no-servico-publico-brancos-ainda-sao-maioria), baseado em dados do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape), entre os servidores públicos civis que ingressaram no ano de 2000 no Poder Executivo federal, 80% eram brancos, e apenas 13%, negros. Atualmente, cerca de 43% dos ue ingressam no Poder Executivo Federal são pretos ou pardos.

De acordo com os dados de estudo sobre cor ou raça do serviço civil ativo feito por pesquisadores da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), referenciado na matéria jornalística, observada a série histórica de ingresso de negros na administração pública federal (de 2000 a 2020), antes da publicação da Lei nº 12.990, de 2014, o maior percentual de ingresso de negros até 2013 (32,3%, em 2012) é inferior ao menor percentual anual de ingressantes negros a partir de 2014 (37,5%, em 2015).
Em 2020, como visto, cerca de 43% dos que ingressam no Poder Executivo federal para ocupação de cargos efetivos civis são negros. Esse aumento demonstra o óbvio êxito da política de reserva de vagas no sentido de fazer com que a composição da força de trabalho estatal no âmbito federal se aproxime, paulatinamente, da composição da população como um todo.

Avançou, mas não alcançou, ainda, o ponto ótimo da política que consiste na equivalência plena. Ainda nos encontramos com percentual muito abaixo do percentual da população negra em face da população total, circunstância que impõe a permanência da política de reserva de vagas para negros na administração pública federal proposta por este projeto de lei.

Percebam, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, que assim como a Lei nº 12.990, de 2014, que previu a vigência da Lei por 10 anos (2014 a 2024), o projeto de lei que ora submetemos ao crivo do Senado Federal também propõe vigência temporária de 10 anos (2024 a 2034) ao final da qual a política deverá ser reavaliada.

Trazemos, neste momento, algumas considerações de ordem jurídico-constitucional sobre o tema. Iniciamos com as questões relativas à constitucionalidade formal da
proposição, em especial, a questão referente à iniciativa legislativa desta proposição.
A proposição objetiva tornar efetivo objetivo fundamental previsto no art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal (CF), segundo o qual deve ser promovido o bem de todos, sem quaisquer preconceitos, incluindo o preconceito de raça.

O Supremo Tribunal Federal (STF) possui jurisprudência pacificada no sentido de afastar a impugnação quanto à violação do princípio da separação de Poderes – da qual a regra de reserva de iniciativa legislativa do Presidente da República é corolário – quando está em causa a efetivação de direitos fundamentais.

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