No dia 3 de setembro, era a primeira vez que a jovem saía da escola sozinha para ir à casa de uma colega.
Redação Publicado em 26/03/2010, às 15h58
Estamos em 1998, zona norte do Rio de Janeiro. A personagem principal desta história é Camila Magalhães Lima. Em seus pródigos 12 anos, Camila era uma menina como outra qualquer, gostava de correr, brincar e, não bastasse as aulas no colégio, ainda fazia natação, ginástica olímpica e sapateado. No dia 3 de setembro, era a primeira vez que a jovem saía da escola sozinha para ir à casa de uma colega.
Eis que, num piscar de olhos, a vida da estudante mudou completamente. Camila tornou-se conhecida da noite para o dia, sua foto caída no chão foi estampada em diversos jornais do Brasil e do mundo. Era ela que, após uma tentativa de assalto na rua Vinte e Oito de Dezembro, em Vila Isabel, havia ficado no meio do fogo cruzado entre assaltantes e seguranças. Vítima de uma bala perdida, que atingiu sua coluna cervical, a jovem – cujo sonho era ser modelo – ficou tetraplégica.
Já no hospital, a estudante ainda não entendia muito bem o que havia acontecido e muito menos o que estaria por vir. Na cabeça da jovem, não demoraria muito e ela estaria de volta ao colégio e retomaria a vida que tinha antes do acidente.
Aos poucos, Camila começou a perceber que sua recuperação seria longa e, claro, o desespero se abateu sobre ela. “Não conseguia ter domínio sobre o meu corpo, era uma sensação muito ruim. Não queria ver ninguém, chorava muito. Fiquei sem saber o que fazer, como agir”, relembra.
Suas primeiras tarefas foram aprender a lidar com o novo corpo, adaptar-se a uma cadeira de rodas e acostumar-se a pedir a ajuda de outras pessoas para realizar coisas que outrora ela fazia sozinha. “Fui enxugando as lágrimas e lutando para recuperar os movimentos perdidos”.
O conforto, o apoio e a solidariedade dos amigos, da família e até de pessoas desconhecidas foram muito importantes nesta época. O amor e o esforço de sua mãe, então, mais que imprescindíveis. A mãe, que assinou a aposentadoria no dia em que Camila foi ferida, renunciou da própria vida para ajudá-la nesta batalha. “Costumo dizer que, além de mãe, ela é minha acompanhante, enfermeira, fisioterapeuta, motorista e psicóloga”, diverte-se a menina, hoje com 23 anos.
Ao sair do hospital, a jovem passou quase um ano internada na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR) e só ia para casa nos finais de semana. Durante este período, os colegas de classe copiavam as matérias, as professoras iam até a associação passar o conteúdo das aulas que ela ainda não podia assistir e as provas podiam ser feitas em casa.
Aos poucos, a jovem foi reconstruindo sua rotina, voltou ao colégio, terminou o ensino médio e ingressou na universidade em 2004. Foi cursar Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Em meio aos estudos, Camila se dedicava exaustivamente a seu tratamento, que incluía sessões de fisioterapia, hidroterapia, equoterapia (método de reabilitação que utiliza cavalos), entre outras técnicas. Ela também viajou algumas vezes para outros países, onde foi avaliada por equipes médicas especializadas no assunto e realizou alguns tratamentos que contribuíram para a evolução de seu quadro clínico.
Tanto empenho e determinação fizeram com que a jovem colhesse bons frutos. “À medida que recuperava os movimentos dos membros superiores e o equilíbrio de tronco, percebia que poderia ultrapassar o mito de que uma pessoa tetraplégica não pode comer sozinha, escovar os dentes, escrever...”, relata.
Além da luta pela vida, Camila entrou, recentemente, em outra batalha, a dos concursos públicos. Hoje, sua rotina inclui aulas nas turmas de básico fiscal do cursinho preparatório Academia do Concurso Público, pós-graduação em auditoria fiscal e tributária e revisão dos conteúdos aprendidos em casa, à noite e nos fins de semana. “Também quero entrar para a turma de exercícios”, conta.
Os planos profissionais da jovem não são pequenos. Ao contrário, seu objetivo é ser aprovada em uma seleção da Receita Federal, para os cargos de analista ou auditor-fiscal. “Desde que terminei o colégio, uma coisa era certa: queria ter nível superior para depois fazer concurso”.
Talita Fusco
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