A festa do deus-elefante

Um dos deuses mais populares da Índia, Ganesh reúne fiéis de todas as religiões nas ruas e quebradas de Bombai

Redação   Publicado em 15/03/2007, às 14h36

Um dos deuses mais populares da Índia, Ganesh reúne fiéis de todas as religiões nas ruas e quebradas de Bombaim

* por Arthur Veríssimo




Todo ano, no mês de setembro, acontece pelas ruas e quebradas de Bombaim, na Índia, o festival Ganesh Chaturthi. A figura com corpo de homem e cabeça de elefante é o deus mais popular do país. Durante dez dias, as ruas são invadidas por foliões, devotos e peregrinos com muita folia, batucada e adoração. Tive a graça divina de provar desse festival em 2003 e 2004. Não tem jeito de ficar parado. A celebração é como um grande carnaval repleto de religiosidade. O profano e o sagrado lado a lado. Imagens de até 25 metros são acompanhadas por legiões que desfilam pelas ruas e avenidas da cidade.

Rodei a metrópole de um extremo ao outro e acabei no efervescente mercado Lalbaug. Ali estão concentrados centenas de artesãos que moldam, pintam e constroem as imensas estátuas, carros alegóricos e instalações divinas de Ganesh. Um luxo só. Milhares de donas de casa, estudantes e trabalhadores compram os artigos necessários para enfeitar seus lares.

O mais fascinante do festival é a tolerância. Muçulmanos, hindus, católicos, jainistas e parsis celebram e cultuam a imagem de Ganesh. Todos participam dos festejos. A experiência é surpreendente. Mistura suor, alegria e grupos de percussão, batucando freneticamente pela úmida cidade. A princípio, assemelha-se ao carnaval efervescente de Olinda e Salvador em uma rotação descontrolada. Carros, caminhões, tratores, lombos de animais e bicicletas são adornados com a imagem do deus da bem-aventurança.

Nos bairros bacanudos, as fachadas das casas são decoradas com elaboradas tendas e plataformas com Ganesh em destaque. Nos locais mais humildes, as imagens e oferendas resgatam todas a tradição e riqueza da religiosidade hinduísta. Sacerdotes celebram mantras e pujas (rituais) nas residências dos fiéis. Flores, arroz cozido, cocos, doces, perfumes e frutas são oferecidos a qualquer transeunte. Uma gama de tintas (rakta chandam) que vai do rosa ao vinho é lançada nos corpos dos foliões.

Existem muitas lendas nas escrituras sagradas sobre Ganesh. A que mais me agrada é a que conta que o deus-elefante nasceu do sândalo raspado que caía do corpo da deusa Parvati, esposa de Shiva. Parvati soprou vida em sua forma e ordenou que guardasse sua porta durante o banho. Quando Shiva retornou, depois de um longo período de meditação no Himalaia, Ganesh não deixou que ele entrasse. Shiva arrancou-lhe a cabeça com seu tridente (trishul). Parvati, saindo do banho, ficou furiosa e ameaçou destruir o Universo. Confusão geral no Reino dos Deuses. Shiva, ligeirinho, ordenou a seus asseclas que buscassem a primeira cabeça que encontrassem. E a cabeça de um elefante foi parar no pescoção do Ganesh.

Seus poderes são inúmeros: ele afasta e supera obstáculos, traz saúde, fortuna e equilíbrio a seus fiéis. Bombaim transforma-se num imenso transe coletivo. Todos cantam "Ganapati Bappa Morya, Purchya Varshi Laukariya" ("Pai Ganesh, volte novamente feliz no próximo ano").

Ao final da imensa procissão, todas as estátuas de Ganesh são lançadas na praia de Choppaty, no Oceano Índico. É o momento mais tumultuado e emocionante do festival. Todos fazem suas preces e agradecem as graças recebidas. Como diz a lenda: o mais querido de todos os deuses indianos fará sua jornada até o sagrado Monte Kailash para trazer saúde e prosperidade para a humanidade. 


* Arthur Veríssimo, repórter de 47 anos, acumula milhas aéreas e histórias para contar sobre os lugares e pessoas mais incríveis do mundo.

* Matéria extraída, na íntegra, do site da Revista Galileu (www.revistagalileu.com.br).