Nem todo tempo é dinheiro

Artigo sobre marketing, mercado e trabalho

Kate Domingos   Publicado em 23/05/2016, às 11h03

Alimentar-se adequadamente, exercitar-se, dormir oito horas por dia, manter-se informado, aprimorar o intelecto, ser presente na vida dos filhos, cuidar das relações pessoais e profissionais, cultivar bons momentos a dois, manter a organização da casa e da família. Fazer tudo isso no pouquíssimo tempo que resta após ter passado nove horas no local de trabalho e cerca de duas (ou até quatro) no trajeto entre casa e emprego. Esse é o desafio que a vida moderna nos impõe e é inevitável constatar a impossibilidade de superá-lo nos moldes em que vivemos hoje, pois a conta, sem sombra de dúvida, não fecha. Como aconselhou o carismático Luís Fernando Veríssimo, “espero que você não tenha um bichinho de estimação”.

Sabemos até onde nossa busca por superar esse desafio (matematicamente insuperável) nos leva. Dormimos pouco, comemos mal, não nos exercitamos e não encontramos tempo para o lazer. O tempo com a família também é minguado e, em médio prazo, já sofremos com frustrações por não termos acompanhado adequadamente o crescimento dos filhos ou vivenciado a vida familiar e a dois. Sucesso na vida profissional, em nossa sociedade moderna, parece andar de mãos dadas com o fracasso da vida pessoal e da saúde, porém carreiras de sucesso que se apoiam no fracasso de outras áreas da vida não são sustentáveis, nem para o indivíduo, nem para a empresa.

É isso que algumas empresas hoje começam a entender. É importante que tenhamos claro o fato de que o foco das empresas não mudou, o foco continua sendo o lucro (e não poderia ser diferente em uma sociedade essencialmente capitalista), porém vivemos o início da evolução da visão empresarial sobre qual é a melhor forma, a mais eficiente, eficaz e sustentável, de obter esse lucro. Ou seja, algumas empresas vêm reduzindo jornadas de trabalho para seis horas diárias ou flexibilizando rotinas através do home office não porque estejam sendo pressionadas a isso, numa perspectiva de protesto dos colaboradores, mas sim porque começam a compreender que nem todo o tipo de tempo é dinheiro, apenas o tempo produtivo!

Os gigantes Google, Apple e Facebook são exemplos de empresas que optaram por rotinas de trabalho flexíveis, e como sabemos, eles não costumam errar. A Toyota, em Gotemburgo (Suécia), também é exemplo de empresa que adotou postura semelhante, reduzindo a jornada de trabalho para seis horas. Após uma década da implantação da redução, tornou públicos os resultados de uma pesquisa que mostrou a relação direta entre o aumento na satisfação dos colaboradores (reflexo da redução da jornada) e o aumento na produtividade e lucratividade do negócio. Não há mágica alguma aqui, só estamos diante do tradicional binômio há muito já desgastado: qualidade x quantidade.

Da mesma maneira que empresas de visão estreita investem em quantidade esperando obter qualidade, outras empresas, que se acham dinâmicas e modernas em seus modelos de administração, cometem o erro de investir em controle e esperar produtividade. Preferem o controle sobre as horas do dia do funcionário, ao lucro que pessoas mais saudáveis, descansadas, felizes e, portanto, motivadas geram. Obrigando o colaborador a permanecer de oito a doze horas por dia no ambiente da empresa e se valendo de tecnologias móveis para continuar a abordá-lo quando ele está em seus poucos momentos privados, exibem uma grande demonstração de controle, mas é só isso. Não podemos ser ingênuos a ponto de confundir cartão de ponto com produtividade. Empresas controladoras levam os seus à estafa e ao absenteísmo.  E pagar por um tempo de absenteísmo não parece lucrativo, certo?  

É urgente que as empresas se libertem da ilusão de controle, ilusão sim, pois enquanto pagam pelas horas de seus funcionários, enganam-se procurando acreditar que estão pagando pela atenção, foco e produção dessas pessoas, o que, há muito sabemos, não corresponde à realidade. O grande erro de nossa sociedade talvez seja não encarar nossas vidas pessoal e profissional como uma só. Nossa realidade é feita de múltiplos campos e necessidades e só nos manteremos produtivos, criativos e motivados no plano profissional quando nos sentirmos equilibrados em todos os demais campos. Conquistar esse equilíbrio é, sem dúvida, questão de tempo! E as empresas que ajudarem suas pessoas nessa conquista, estarão ajudando principalmente seus próprios números. Será uma luta de todos, empresa e colaboradores, para tornar todo o seu tempo, cada hora e minuto, produtivo. Empresas e colaboradores só precisam perceber que, nessa luta, estão todos do mesmo lado.

Kate Domingos é publicitária pela USP, docente e consultora em Marketing e Comunicação. Contato: kate@concrie.com