Um inferno de boas intenções

Artigo sobre marketing, mercado e trabalho

Kate Domingos   Publicado em 26/07/2016, às 14h41

O que vale é a intenção. Certo? Para aqueles que não são exatamente adeptos dessa máxima, o Marketing Socioambiental pode, por vezes, soar falso, sobretudo quando vemos empresas berrando seus relatórios de sustentabilidade, que aliás não costumam ser tão incríveis assim. Disputamos a tapa as vagas oferecidas pelas ditas empresas sustentáveis, compramos orgânicos enquanto o dinheiro dá, vamos ao McDonalds orgulhosos pelo óleo reutilizado e experimentamos extasiados a Coca-Cola na plantbottle. Temos boa intenção. Mas de que mesmo ela nos vale?

Não é que não existam empresas realmente comprometidas com o sustentável, o ponto é que existem muitas mais empenhadas em dar a seus objetivos mercadológicos cara de bom moço e contar com nossa ingenuidade (ou esperança). Pesquisas mostram que quanto maior é o alcance das campanhas de marketing verde de uma marca, maior é a fila de jovens e brilhantes profissionais que se forma a sua porta. Queremos trabalhar pelo sustentável, fazer parte dele, mas esquecemos que grandes campanhas não significam exatamente grandes ações, e que muitas vezes se gasta mais na divulgação de uma ação ambiental do que nela de fato. Infelizmente, trata-se de muito barulho por quase nada.

A maioria da população mundial apenas sobrevive, e é claro, está ocupada sobrevivendo. O curioso é que a minoria, apta à reflexão e à mobilização sobre o assunto, tem boa intenção ao educar seus filhos, mas o faz de forma errada: paga por livros infantis sobre preservação ambiental, por um DVD de Wall-e e por passeios ao Zoológico para ver animais em vias de extinção, mas é incapaz de ensinar a gravidade e urgência do assunto. Acaba por criar jovens que cresceram vendo a degradação ambiental com certo senso de normalidade e o sustentável como um objetivo que mora lá num futuro, quase utópico. Por isso essa geração, que deveria consertar os erros da anterior, tem engolido qualquer discurso hipócrita sobre sustentabilidade e desperdiçado seus talentos em organizações que se dizem verdes. Como uma criança que acaba de entender que a verdade não é sempre bem-vinda, aprendemos a admitir a hipocrisia, e internalizamos a ideia de que um pouquinho não faz mal.

Aplaudimos organizações como Greenpeace e Avaaz, assinamos seus feeds e aderimos a suas petições na internet. Elas nos mantêm informados sobre a caça aos elefantes, a exploração de petróleo no Ártico e a degradação da Amazônia, mas ainda assim não nos ofendemos quando os estudiosos de mudanças climáticas viram piada apocalíptica e os ambientalistas são chamados de hippies. Agindo assim nos convencemos, e a nossos filhos, de que essas pessoas são mesmo alarmistas e de que a sustentabilidade não é pra já. É esse tipo de pensamento que leva nossas crianças a olharem fotos de animais marinhos mortos (por engolir todo tipo de lixo) como quem olha para fórmulas matemáticas, transformamos a tragédia ambiental em mero didatismo. Ninguém mais fica consternado. Ninguém mais põe em prática o inconformismo, a urgência e a ação, apenas o discurso. Por isso a maioria das empresas hoje só fazem discursar e os profissionais, mesmo aqueles meninos que gostariam de “mudar o mundo”, acabam apenas discursando. Aliás todas as empresas hoje aderiram à moda e fazem algo pelo meio ambiente! O que nos ocorre: se todas essas ações fossem de fato amplas e reais não viveríamos em um mundo em que aquele sulfite com “carinha” de reciclado custa mais ao planeta do que o tradicional.

Num mundo em que selos ambientais são vendidos, e a preço de banana, ações de sustentabilidade e o bem que elas possam render têm sido realmente um efeito colateral, e não o objetivo. Mas se o objetivo será sempre mercadológico, e somos obrigados a admitir a sustentabilidade como um mero efeito colateral, precisamos no mínimo ponderar melhor a quem daremos nossas moedas e exigir das empresas nas quais trabalhamos e das quais compramos uma efetiva atuação ambiental: ações que sejam reais e suficientemente amplas e não um engodo. Construir carreira dentro de uma organização realmente sustentável é um ótimo plano, mas precisamos admitir que estas não são tão numerosas assim e nos resta atuar para que a organização onde estamos se torne o que deveria ser. Afinal latas de alumínio mais finas, garrafas pet com menos plástico e carros a petróleo mais econômicos não passam de alumínio, pet e petróleo. Temos boa intenção. Mas de que mesmo ela nos vale?

Kate Domingos é publicitária pela USP, docente e consultora em Marketing e Comunicação. Contato: kate@concrie.com