Artigo sobre marketing, mercado e trabalho
Kate Domingos Publicado em 28/03/2016, às 09h48
O ser humano evita o conflito. Esse é nosso primeiro ímpeto, que parece até vir de um desejo inconsciente de adiar ou impedir o enfrentamento que, para nós, conota ameaça. Porém, parafraseando Einstein, “Se duas pessoas sempre concordam em tudo, é sinal de que uma delas pensa pelas duas”. E, sem dúvida, isso não deve acontecer! Não seria então momento de revermos essa visão negativa que, instintivamente, desenvolvemos acerca da ideia de conflito?
Quando nascemos, não nascemos prontos, absolutamente! Na criança, notamos traços de egoísmo, sempre há alguma agressividade e são comuns as falas possessivas e focadas no “eu”. Conforme vamos crescendo, aprendemos que o sol está no centro do mundo, e não nós. Treinamos o desapego, exercitamos o dividir e transformamos nossa agressividade em capacidade de diálogo. Aprendemos a ser empáticos e gentis! Mas talvez esse processo, que ocorre muitas vezes de forma irrefletida e imposta (pelos pais, sociedade), acabe por mistificar nossa ideia sobre conflito. Acabamos por vê-lo como algo rude e pouco educado, quando, na verdade, trata-se de uma fantástica maneira de trazer à tona a riqueza das diferenças e dos diferentes pontos de vista. Afinal, quando temos um problema, é desejável ter mais de um ponto de vista sobre ele, significa que temos mais de uma solução!
No mundo corporativo, o conflito gera possibilidades, fomenta o nascimento das mais criativas soluções e contribui para o crescimento e flexibilidade dos profissionais que o exercitam. Esse crescimento vem, é claro, do contato com a riqueza de ideias e múltiplas ópticas que o debate entre as mentes propicia dia a dia. A flexibilidade já é resultado dessa vivencia, uma vez que o exercício do conflito é não só um exercício de criatividade, mas um exercício de abrir mão, pois temos a tendência de nos apegarmos a nossas ideias, a nossos pontos de vista, mesmo quando constatamos que eles não são a melhor opção no momento. Esse desprendimento é, em regra, difícil no começo e se torna mais fácil quanto mais vivenciamos um ambiente de intercâmbio e conflito de ideias. Tal flexibilidade é o primeiro avanço pessoal e profissional conquistado por aqueles que desenvolvem a habilidade de conflitar.
Outra competência conquistada por aqueles que conflitam é a autoconfiança. Afinal, é preciso estar seguro de si para dizer que o rei está nu. Em processos de Brainstorming (largamente utilizados em áreas criativas e de planejamento no mundo corporativo atual) a linha entre uma boa ideia e um fiasco pode ser tênue e enxergá-la claramente quase nunca é algo que ocorre a todos concomitantemente. É aí que o indivíduo, muitas vezes sozinho, precisa ir contra o consenso e alertar a todos para o fato de que simplesmente não estão diante de uma grande ideia!
Para tanto, é preciso autoconfiança, até porque ela é a fonte da credibilidade de qualquer profissional. E, em um mundo corporativo que preza cada vez mais o conflito, saber expor seu ponto de vista de forma a inspirar confiança é fundamental para ver suas ideias implantadas, pois ainda que uma ideia seja a melhor, apresentá-la de forma rasa e sem uma argumentação sólida poderá frustrá-la. Afinal, um ambiente de conflito é também um ambiente de convencimento. Pessoas autoconfiantes são serenas e conquistam a confiança dos demais, conseguem persuadir a maioria porque transferem, para suas ideias, a credibilidade que os outros depositam em sua pessoa.
Porém, de maneira nenhuma, estes indivíduos esboçam qualquer traço de superioridade, arrogância ou prepotência, estas não são expressão dos autoconfiantes, e sim de pessoas com perfil exatamente oposto a esse, pessoas inseguras que, por não crerem em seu discurso interno, precisam criar um agressivo discurso externo para legitimar-se pela força. Aliás, outra competência desenvolvida em nós, num ambiente de conflito, é a humildade. Como muito bem observou o Professor Luiz Carlos Cabrera, “Para crescer na carreira, deve-se passar por porta estreita!”. Essa metáfora é tão elucidadora porque a diminuta portinha obriga as pessoas que por ela passam a abaixar a cabeça. É a metáfora da humildade! E usufruir da riqueza, pluralidade de um ambiente de conflito é exercitar essa humildade todos os dias, reconhecendo o estrelismo das ideias do outro e abrindo mão das suas próprias, perguntando sem medo de mostrar que não possui a resposta e ajudando a responder as questões que pode. Ajudando!
Por fim, destacamos a ação de ajudar porque um ambiente de conflito é, antes de tudo, um ambiente colaborativo, ou seja, a pluralidade de ideias e a liberdade de discuti-las e refutá-las sem medo gera soluções extremamente criativas que nunca são de autoria de um único indivíduo, afinal, se foram concebidas nesse ambiente de intercâmbio e discussão, com poderiam ser? É urgente que acolhamos o conflito como talvez a ferramenta mais relevante do mundo corporativo atual, desmistificá-lo começa dentro de cada um de nós, sempre que decidimos não fugir uma boa briga! Usufruiremos dele quando compreendermos que discordar é preciso!
Kate Domingos é publicitária pela USP, docente e consultora em Marketing e Comunicação. Contato: kate@concrie.com