Artigo sobre marketing, mercado e trabalho
Kate Domingos Publicado em 16/05/2016, às 13h37
Estruturar a apresentação da reunião de logo mais, atender o cliente ao telefone e conversar sobre o time com o colega ao lado, enquanto checa o alerta sonoro da rede social, a última manchete daquele portal de notícias e atualiza a planilha de custos do evento dessa semana. Realizar tantas tarefas ao mesmo tempo não parecia problema para o profissional multitasking. Não parecia.
Este perfil profissional, popularizado com a chegada da Geração Y ao mercado de trabalho, com seus inseparáveis smartphones e seu “mantra dos sempre plugados”, encheu os olhos do mercado que viu aí uma promessa de maior produtividade. Ansiosas, as empresas se esbaldaram bombardeando seus colaboradores com estímulos múltiplos e impondo a todos o perfil multitarefa como novo paradigma. Afinal, desempenhar diversas tarefas ao mesmo tempo era da natureza dessa geração, certo? Fatalmente, a verdade não é tão simples assim. E o resultado não poderia ser mais previsível: queda na produtividade.
Como se explica o efeito exatamente contrário ao prometido pelo multitasking? A menor produtividade vem sobretudo da diminuição da concentração, pois ao alternar entre as tarefas, o multitasking obriga o cérebro a retomadas constantes e, como a neurociência já revelou, concentrar-se novamente, após uma interrupção, leva tempo. Um tempo desgastante e improdutivo. Isso significa que a agilidade, pregada como principal característica desse perfil profissional, pode ser ilusória, diante da grande redução de seu tempo produtivo causada por tantas interrupções. A verdade é que não existe o “fazer tudo ao mesmo tempo”, o que ocorre é um começar concomitante de diversas coisas e sua realização “aos pedaços”. Como no malabares, persiste a ilusão, pois nunca é possível ter nas mãos mais de um objeto por vez.
Outras dificuldades enfrentadas pelos profissionais que trabalham segundo o modelo multitarefa incluem dificuldade de identificar prioridades, aumento da incidência de erros e da ansiedade. Esta se eleva porque, com tantas tarefas iniciadas, o caminhar individual de cada uma delas é mais lento (do que seria se tais tarefas fossem realizadas individualmente) e, portanto, a conclusão, o resultado do trabalho demora mais a aparecer sobretudo aos olhos do próprio colaborador que não vive diariamente o bem-estar e o reforço positivo que a conclusão de cada pequena tarefa oferece. O profissional que trabalha sob a imposição de um modelo multitasking acaba vítima do stress e da falta de motivação. Fatores que, além de causarem fadiga física e mental, também abalam o clima organizacional. Todos sintomas que convergem para a redução da produtividade.
Muitos defendem que o multitasking nasceu do perfil de uma geração, é natural a ela, porém é preciso levar em conta que talvez não estejamos diante de uma habilidade: a multitarefa. Mas sim diante de uma verdade maior que leve muitos profissionais à ilusão de que podem realizar diversas coisas ao mesmo tempo: num mundo com tantos apelos externos é difícil manter o foco. Da dificuldade de se concentrar à habilidade de realizar mais de uma tarefa por vez há uma grande distância. Aliás, estudiosos do comportamento humano e da neurociência já discutem hoje se o multitasking é realmente possível e os resultados, até o presente momento, sinalizam com a constatação de que ele, no mínimo, não é sustentável.
Ainda vemos o multitasking grafado nos currículos, aos montes. Para o marketing pessoal, ele parece realmente mais glamoroso, mas pode não passar de uma promessa vazia. E, se assim for, as empresas terão de se desapegar da quimera, caso contrário experimentarão queda na produtividade e aumento no absenteísmo cada vez maiores. Empresas que proporcionam ambientes de trabalho mais controlados, onde é possível manter o foco, tem obtido melhores resultados na otimização do tempo dos seus, com produtividade e clima organizacional mais sustentáveis. É a capacidade de se concentrar, começar e terminar uma tarefa sem precisar de pausas ou distrações, que parece estar se tornando rara. E como sabemos, habilidades raras sempre nos destacaram da multidão.
Kate Domingos é publicitária pela USP, docente e consultora em Marketing e Comunicação. Contato: kate@concrie.com