Precisamos dos líderes. Para que mesmo?

Artigo sobre marketing, mercado e trabalho

Kate Domingos   Publicado em 07/06/2016, às 10h10

Steve Jobs, em sua autobiografia, afirmou que 90% de seus sucessos foram fruto de variáveis externas que ele não controlava, de sorte e de uma dúzia de intuições. Sua liderança não esteve livre de resistência e críticas, mas seus passos foram espontaneamente seguidos por milhões e suas ideias transformadas nos novos paradigmas que hoje ditam como nos comunicamos e nos entretemos. Ele foi um líder, claramente, eleito, a despeito do fato de que, como sua história de vida mostra, ele nem sequer tivesse a ambição de liderar. É fato que precisamos dos líderes, as empresas precisam deles, mas parece que esqueceram por quê.

Nós criamos os líderes por diversos motivos, mas o instinto é o mais básico deles. Em uma situação natural de convivência em grupo, o líder surge naturalmente, ou seja, é uma necessidade intrínseca e estrutural do grupo encontrar alguém a quem seguir. Porém, quando falamos de liderança corporativa, esse processo natural de surgimento do líder obviamente não ocorre, o que inaugura uma série de desventuras. Em ambientes controlados como o empresarial, a liderança é imposta e preestabelecida pela nomenclatura do cargo, que pode sim revelar um líder (caso o indivíduo posicionado no topo da hierarquia reúna as qualidades necessárias para liderar), mas na maioria das vezes acaba por revelar um chefe. Alguém que emerge como uma figura antiquada, controladora e sem empatia, cuja competência para a liderança não existe ou não é reconhecida pelo grupo. Mas se os indivíduos buscam líderes e a maioria das empresas lhes dá chefes, talvez seja porque estas perderam a dimensão do quanto investir em verdadeiros líderes pode ser útil aos objetivos mercadológicos. Precisamos dos líderes. Mas para que mesmo? É hora de lembrar.

Desde o florescimento da filosofia grega, nós nos reconhecemos, em nossa natureza, como seres desejantes, insatisfeitos com aquilo que possuímos. O que já temos não nos motiva, pelo contrário, nos entedia, e no ambiente corporativo não é diferente. As empresas precisam dos líderes para, antes de tudo, evitar o tédio e a estagnação, pois só permaneceremos motivados se estivermos constantemente expostos a novos desafios e ao aprimoramento de nossos talentos. Aristóteles já pregava que só um bom líder é capaz de identificar os pontos fortes de cada um dos seus e mantê-los motivados no aprimoramento constante desses pontos. Só um líder competente seria capaz de levar os seus a um estado de motivação e desenvolvimento plenos que ele chamou de “eudaimonia” (em grego, “felicidade”). É o líder o responsável por trazer à tona esse potencial e colocá-lo a serviço da organização, competência que vemos muito pouco no atual ambiente empresarial.

Mas não se trata apenas de promover a eudaimonia geral (como se tal tarefa já não fosse suficientemente complexa por si só), mas de promover o pertencimento e a harmonia. Sabemos que quanto mais afastados estiverem do topo, e quanto menos tiverem participado do desenvolvimento de uma estratégia ou meta, menos os indivíduos estarão dispostos a compreendê-la sem ajuda e a cooperar com ela. Quando falta, para os colaboradores, compreensão e pertencimento, eles passam a ver a empresa como uma inimiga movida unicamente por interesses mercadológicos. E é aí que os objetivos empresariais sofrem com atitudes que vão da resistência ao boicote. Só através de líderes habilidosos as empresas poderão desfazer essa improdutiva tensão empresa x colaborador. Sem controle, tal tensão se torna tão grande que a motivação desaparece, o clima organizacional desmorona e junto com ele a possibilidade de alcance das metas e objetivos empresariais. Esse panorama, infelizmente, está muito presente no atual ambiente empresarial.

Não há liderança perfeita, livre de críticas e conflitos, mas é alarmante ver que no atual ambiente corporativo muitas empresas não estão sequer tentando instituir lideranças legítimas. Elas têm se contentado em contratar chefes, e é lamentável ver como se enredam em sua própria armadilha e ingenuamente não entendem por que não atingem suas metas e objetivos. Saem na frente aquelas que não se esquecem: para produzir, pessoas precisam de verdadeiros líderes em quem se inspirar, líderes com coragem para ver além, contar com a sorte e confiar em sua dúzia de intuições.

Kate Domingos é publicitária pela USP, docente e consultora em Marketing e Comunicação. Contato: kate@concrie.com