Estudo mostrou que apenas 5% dos estudantes que obtêm as melhores notas no ensino médio optam pela docência.
Redação Publicado em 23/06/2008, às 10h51
Estudo financiado pela Fundação Lemann e pelo Instituto Futuro Brasil, e divulgado recentemente, mostrou que apenas 5% dos estudantes que obtêm as melhores notas no ensino médio optam pela docência no ensino básico, ou seja, não são os bons alunos que vão lecionar para as nossas crianças e jovens. As principais razões para isso, apontadas pela pesquisa, são a baixa remuneração e a falta de reconhecimento com que os professores atualmente deparam, o que acaba por espantar da profissão os mais bem preparados: 68% deles escolhem cursos da área da saúde ou da área de Humanas, por exemplo.
"A realidade é esta. Há muito tempo que os piores alunos se dirigem às licenciaturas", afirma Paulo Nathanael Pereira de Souza, presidente do Conselho de Administração do CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola) e autor de diversas obras sobre educação, além de ter ocupado o cargo de secretário municipal de Educação e Cultura (1971-1974) e, no início desse mês, ter sido homenageado pela Academia Brasileira de Letras (ABL) com o Prêmio Francisco Alves de Educação, atribuído a personalidade ou obra que se destaque nesse ramo.
"Antigamente, os bons professores eram de uma classe média alta, vinham de família abonadas, e seguiam a carreira por opção, por vocação. No entanto, o professor perdeu o respeito social, tornou-se um operador vulgarizado. Agora a carreira está muito abandonada, sem níveis condignos de remuneração, o que afasta os candidatos de boa qualidade. As boas cabeças não ficam. Ninguém pode sobreviver com aulas mal remuneradas", ele afirma.
Doutor Paulo Nathanael não hesita ao considerar que a Educação brasileira passa, atualmente, por uma "fase apocalíptica". Para reverter o quadro, aponta como primeiro passo uma reforma completa nas relações de trabalho educacionais. "Se houver um esforço para remunerar o professor condignamente e exigir uma postura profissional mais voltada para os seus deveres, é possível retomar o antigo prestígio do magistério". Mas não é só isso, claro. Segundo ele, também é necessário reformular a formação desses professores. "As faculdades de educação estão muito defasadas, muito frágeis com relação à formação. É um tremendo círculo vicioso, que é uma das causas da crise trágica que se apossou do ensino brasileiro".
A Educação vista de cima
O governo, por sua vez, é mais otimista. Dilvo Ilvo Ristoff, diretor de Educação Básica Presencial da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligada ao Ministério da Educação (MEC), discorda com alguns pontos abordados pelo estudo. "A capacidade de um professor vai muito além da nota obtida quando aluno. Há uma série de coisas a serem medidas, como a capacidade de relacionamento, de motivar habilidades individuais, de organizar o material de aula. O que conta não é só o conhecimento teórico, mas também a atuação constante na sala de aula. Tudo isso torna as conclusões do estudo insuficientes", diz ele.
Dilvo garante que, com Fernando Haddad como ministro, a Educação do país encontra-se em pé de guerra com as suas deficiências. Programas governamentais como o Reuni (Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) promoveram a democratização do acesso ao ensino, mas, por outro lado, essa ampliação do acesso ocasionou um problema de qualidade. "Tirar da rua e colocar na escola já é um grande avanço. É preciso, primeiramente, garantir a formação de todos, para, depois, resolver o problema da qualidade". De acordo com ele, 70% dos estudantes dos cursos de licenciatura vêm de escolas da rede pública, o que faz com que, em geral, tenham um desempenho menor. "Porém, não podemos adotar uma posição elitista e jogar culpas na administração atual. Essa situação de desprestígio advém de equívocos históricos de não-valorização da carreira docente", esclarece o diretor da Capes.
Além do Reuni, Dilvo Ristoff aponta como medidas prioritárias do MEC a Universidade Aberta do Brasil, programa criado há três anos com o objetivo de capacitar os professores da educação básica, e uma parceria inédita com os Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), que passarão, a partir do próximo semestre, a oferecer cursos de licenciatura. Questionado sobre o problema salarial, uma das causas fundamentais para afastar da carreira docente os melhores alunos, Dilvo – que é professor, mas da educação superior, e não básica – faz coro com Paulo Nathanael. "A remuneração evidentemente tem peso. A docência tem que ser mais bem remunerada", completa.
É válido lembrar que está na fila para ser votado pelo Senado, depois de ser aprovado em maio pela Câmara dos Deputados, o projeto de lei, de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que prevê a fixação de um piso nacional para os professores, que se estenderá também aos aposentados. Se entrar em vigor, todos os educadores do país passarão a receber, no mínimo, R$ 950 para 40 horas semanais de trabalho.
A Educação vista de baixo
O último exame da Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular), realizado entre o final de 2007 e o início deste ano, que seleciona alunos para a Universidade de São Paulo (USP), para a Santa Casa e para a Academia Militar do Barro Branco, pode ser tomado como parâmetro para a baixa estima da docência do ensino básico. Às 230 vagas nos dois cursos de Pedagogia oferecidos – em São Paulo e em Ribeirão Preto – concorreram, ao todo, 2.153 estudantes, o que resulta em uma média de 9,36 candidatos por vaga. Para comparar, nos dois cursos mais concorridos, de Jornalismo e Relações Internacionais, o índice foi, respectivamente, de 41,63 e de 36,88 candidatos por vaga.
Um fator que pode servir como exemplo do baixo rendimento é a nota de corte, o número mínimo de pontos obtidos na primeira fase para que o aluno passasse à fase seguinte. Dos 89 pontos possíveis na Fuvest 2008, os candidatos a Pedagogia deveriam acertar 38 questões (42,69% da prova), quase metade do que era necessário a um candidato ao curso de Medicina e Ciências Médicas, que exigia o mínimo de acerto de 74 questões (83,14% da prova).
Angélica Akemi, de 18 anos, foi uma das aprovadas no curso de Pedagogia na USP. Angélica cursou o ensino médio na Escola Técnica Estadual Professor Aprígio Gonzaga, na Penha, bairro onde mora, na zona leste paulistana, e não fez curso preparatório para o vestibular. Obteve 51 pontos e já está no final do primeiro semestre. Conta que o que a moveu foi o interesse pelo ensino, não só restrito à sala de aula, mas também a coordenação escolar. "Espero que o curso continue me fazendo refletir sobre educação de forma ampliada", torce ela, que já planeja continuar seus estudos depois de se formar, complementando-o com uma nova graduação ou pós-graduação.
Angélica conta que todos os alunos que cursam Pedagogia na USP devem cumprir estágios obrigatórios em escolas públicas, e completa: "é uma forma de melhor prepará-los à realidade em uma sala de aula". A estudante diz não se assustar com a baixa remuneração da profissão que escolheu. "Acho que esse risco existe em toda carreira, assim como o risco de desemprego". No entanto, instigada a apontar a solução para o problema da falta de reconhecimento, traz a resposta na ponta da língua: "Maior remuneração e tempo para preparação de aula, que não é considerado como horas de trabalho". Apesar de ser ainda uma aprendiz de educadora, a menina já sabe do que a Educação do seu país precisa.
Lygia Roncel