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Com a varinha nas mãos: mais natureza na cidade

Aos 35 anos, Gica deixou na infância o trabalho de fada madrinha e transformou-se ela própria em Cinderela;

Redação
Publicado em 23/10/2009, às 16h10

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Quando criança era fada madrinha. Transformava abóboras em carruagens douradas, gata borralheira em Cinderela e sapos em encantadores príncipes, ignorando qualquer fronteira entre os contos de fada. Gica Mesiara gostava era de enfeitar o mundo.

Na favela próxima ao bairro onde vivia com os pais, espantava-se com as crianças sujas e mal arrumadas. E de espanto, espantava também sua mãe, numa mania incomum de levar as crianças para casa, onde as limpava e arrumava. Com os gatos, o mesmo procedimento resultava em um depois mais feliz: logo aparecia um dono afeiçoado pela beleza antes oculta pelos maus tratos.

Ajudando a mãe a lavar louça, imaginava despoluir o rio Tietê. Tarefa simples para uma menina que desconhecia a palavra “obstáculo”. “Eu tinha necessidade de beleza e tentava fazer isso ao meu redor”.

Dilim-din-din. Dilim-din-din. Gica balança insistentemente o pequeno sino e se dirige à sala vizinha, onde estão funcionários compenetrados. Dilim-din-din. Todos comemoram a venda de mais um projeto. “Sempre que alguém vende, a gente toca o sino. Temos que comemorar. É mais um pedacinho de verde no mundo”.

Aos 35 anos, Gica deixou na infância o trabalho de fada madrinha e transformou-se ela própria em Cinderela, numa espécie de conto de fadas moderno. Abandonou um emprego com renda mensal de mais de 10 mil dólares e foi atrás de um sonho seu. Resolveu enfeitar casas, levar a natureza aos cômodos e proporcionar contato com o verde que tanto falta: virou paisagista.

Desde pequena, sempre se sentiu diferente. Tinha dificuldade de entender a “divisão dos lucros”, os problemas financeiros, o mundo com seu raciocínio nada lógico. Afinal, seu pai saía todo dia para trabalhar e por que então não tinham o suficiente para viver com conforto?

E foi nessa dissonância com o mundo que Gica decidiu integrar-se a ele. Aos 17 anos, começou a trabalhar com telemarketing, prestou vestibular e viu seus sonhos irem embora como a água que escorria pelo ralo da cozinha. A família não tinha condições de ajudá-la e, embora trabalhasse, precisava contribuir nas despesas. “Preciso entrar em um lugar que tenha bastante dinheiro para poder estudar”, pensava. E foi para o banco, onde, sem dúvidas, não falta dinheiro.

Como recepcionista, tinha o plano tão mirabolante quanto distante de ganhar muito. E entre um cliente e outro, recebeu um jornal interno sobre a nova campanha: todos que vendessem produtos (poupança, seguro etc.) e preenchessem uma cartela de vendas, poderiam trocá-la por dinheiro.

Gica saiu logo vendendo, mas as propostas voltaram todas. Estavam preenchidas de forma errada. O diretor do banco viu a pilha de pedidos em uma mesa. Esbravejou com a gerente, que viu que a responsável era “a menina do balcão”. Chamada para uma conversa, em vez de bronca, Gica ouviu elogios e foi convidada para a área de vendas. Ali, recebeu outro jornal, com os seguintes dizeres: Se você tem entre 23 e 27 anos, está na faculdade, possui uma segunda língua...faça sua inscrição no programa de formação de gerentes. Gica tinha 17 anos, não tinha faculdade tampouco segunda língua, mas viu que possuía todas as características de gerente. Correu para falar com o chefe: Você gosta do meu trabalho? Acha que poderia ser gerente? Incentivada pelas respostas positivas, não fez rodeios: – Pode escrever uma carta com tudo isso? – questionou ao explicar que queria participar, mas não possuía os requisitos.

Ele escreveu e Gica destacou-se na dinâmica, conseguiu sua vaga e, mais uma vez, destacou-se no programa: foi a gerente mais jovem do mercado financeiro, com 18 anos. Cresceu rápido profissionalmente e, nesse período promissor, conheceu a praia do Espelho, na Bahia. Quando chegou lá, à noite, estranhou a falta de cortinas e com mau humor encarou o fato de que acordaria cedo na manhã seguinte. Foi quando veio a surpresa: emoldurada pela janela estava uma paisagem indescritível e Gica se pôs em prantos de emoção.

Foi ali que passou por uma experiência espiritual, numa fase que ainda nem entendia isso. Admirando a paisagem e refletindo sobre a relação de ingratidão do homem com a natureza, começou a ouvir uma voz que a lembrava das atitudes de criança, quando queria embelezar o mundo, e suas preocupações com a natureza. Sem saber se aquilo era real, a voz a questionou: – pergunte ao seu coração se essas não são as maiores verdades que ele já ouviu.

Gica concordou e da experiência trouxe a missão de levar todo o amor que tinha pelo meio ambiente aos outros. Percebeu que as pessoas só amam aquilo que tem contato e decidiu levar a natureza à cidade. Nos primeiros anos, dividiu-se entre o banco e as novas ocupações, mas, exausta, optou pelo paisagismo. Começou com o seu próprio jardim e logo não faltava quem quisesse algo igual em sua própria casa.

O sonho de deixar a cidade mais verde esbarrava na falta de espaço. Ainda sem conhecer a palavra obstáculo, Gica passou a se dedicar aos jardins verticais, criando e aprimorando produtos. Hoje, a ideia é desenvolver a cada ano dois ou três produtos diferentes, sempre relacionando arte com natureza. “O gato sempre foi o mesmo e a natureza também. É só uma embalagem bacana e todos querem de volta. Assim as pessoas podem desejar a natureza e eu consigo cumprir minha missão”.

Nina Rahe/SP

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