Gabriel Granjeiro: A motivação supera a inteligência

Na coluna dessa semana, o colunista Gabriel Granjeiro faz uma bela homenagem ao professor Carlos Mendonça e quais são as lições que ele deixou para a gente

Publieditorial   Publicado em 26/04/2023, às 10h53

Divulgação

Todo mundo é capaz de superar os obstáculos, depende da vontade de cada um”, Gabriel Granjeiro. 

Algumas semanas atrás, fez dois anos que a comunidade Gran Cursos Online perdeu na guerra contra o câncer um grande mestre e amigo. Carlos Mendonça foi muito querido entre todos que conviveram com ele. Sumidade em Direito Previdenciário, o professor Mendonça era um homem ético, sábio e detentor de impressionante conhecimento. Talentoso, era conhecido pelo didatismo ímpar de suas aulas, isso sem falar no coleguismo e na força de vontade para fazer diferente e melhor, sempre.

Em sua homenagem, decidi escrever este artigo, até porque ele era daqueles raros seres humanos com muito, muito mesmo, a ensinar sobre motivação, disciplina e superação. Tanto que, quando ouço ou leio a frase “fora da educação não há salvação!”, logo me vêm à mente o nome e a imagem dele.

Para mim, é inspirador ver a trajetória de gente como o professor Carlos, determinada a superar as dificuldades com resiliência, o que, aliás, tem a ver com um atributo típico dessas pessoas: a imparabilidade.

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Quando topamos com a história de alguém bem-sucedido, tendemos a imaginar que tudo que a pessoa conquistou é fruto da sorte. Logo suspeitamos que se trata de mais um nascido em berço de ouro, ou mesmo dotado de alguma habilidade especial que o põe a anos-luz de nós, reles mortais... Isso não poderia estar mais longe da verdade.

Se há algo que essas pessoas costumam ter em comum, não é sorte, mas o espírito motivado para enfrentar e vencer as dificuldades. Elas venceram na vida porque não tinham outra escolha senão vencer. Fizeram renúncias e trabalharam muito, como foi o caso do saudoso professor Mendonça.

Além de toda essa disposição, há outros aspectos envolvidos no sucesso de alguém. Um deles diz respeito ao círculo social dessas pessoas. Pode pesquisar: todos que alcançam a realização pessoal ou profissional têm ou tiveram algum tipo de ajuda no caminho.

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Na história do nosso homenageado, encontramos duas mulheres que fizeram toda diferença. A primeira delas foi a mãe dele, que, trabalhando como empregada doméstica, sustentava sozinha a casa onde viviam 12 pessoas desempregadas e sem nenhuma qualificação. A segunda foi a avó, que, embora não soubesse ler nem escrever, era dotada de grande sabedoria e fazia questão de lembrar a todo instante ao nosso imparável que, se ele não fosse à escola, teria de “puxar carroça”.

Graças a essas chamadas de atenção, o menino jamais deixou de frequentar as aulas, fosse por preguiça, mau tempo ou doença. Os alertas diários da avó foram fundamentais para que ele tomasse gosto pelos estudos, tanto na condição de aluno quanto, mais tarde, na de professor. 

Se uma ajuda pode ser tão bem-vinda assim, o que dizer dos anjos que surgem de repente em nossa vida e mudam tudo? Parece clichê, mas a verdade é que todos nós precisamos de um empurrãozinho de vez em quando.

Quem assumiu esse papel na trajetória de Mendonça foi um ex-ministro da Saúde, dono da casa onde a mãe do nosso herói trabalhava. Por conta de um acordo trabalhista, o patrão se comprometera a pagar uma escola particular para o garoto. Imagine o choque de realidade que foi para Carlos chegar a um local em que até mesmo as roupas que ele vestia eram “inferiores” às dos outros? O material escolar, então, ficava bem aquém quando comparado ao dos colegas. 

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Essas e outras forças conspiravam contra o nosso imparável, mas o efeito disso, em vez de desânimo, foi um forte impulso na luta por uma situação melhor, já que era evidente que ele não poderia depender só da família. Carlos passou a fazer bicos de jardinagem e faxina, atividades que lhe renderam alguns trocados. Mas então veio o impasse: como conciliar trabalho e estudo? A solução foi enfrentar o primeiro concurso da vida, aos 13 anos de idade, para a Força Aérea Brasileira (FAB).

A decisão fez surgir para Carlos um mundo todo novo. O ingresso nas Forças Armadas lhe propiciou um trabalho e, ao mesmo tempo, uma bolsa para terminar os estudos. O jovem foi posto em contato com pessoas de todo o país e das mais diversas culturas. A turma, composta de 314 estudantes, incluía o filho da empregada doméstica, de um lado, e os filhos de diretores de grandes empresas multinacionais, de outro; todos, porém, usando fardas iguais, independentemente da cor da pele, da origem ou da classe social. Não havia discriminação, portanto, ao menos em função dos trajes usados.

Isso foi importante para desenvolver em Mendonça mais confiança, em si próprio e nos outros. Ora, se agora o filhinho de papai e o zé-ninguém dividiam o mesmo espaço, sem nenhuma diferenciação, o que Carlos podia fazer para se tornar o primeiro da turma? A conclusão lógica foi: imitar os melhores alunos da classe. 

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A fim de acompanhar a tropa de elite da turma, o nosso imparável decidiu copiar a fórmula de sucesso dos colegas mais bem-sucedidos. A receita era simples: observar o que eles faziam e... fazer mais. Se os companheiros de escola dedicavam cinco horas diárias aos estudos, Carlos dedicava dez.

Mendonça levou essa técnica para a vida, e deu tão certo, que o nosso jovem mais tarde chegaria ao cargo de procurador federal junto ao INSS e ao posto de um dos mais respeitados professores de Direito Previdenciário do país. Até lá, porém, foram muitos os desvios de percurso, com tomadas de decisão sérias como a de largar a escola militar, na qual tinha salário e carreira garantidos, e se dedicar à formação acadêmica em Direito e à preparação para passar em concursos públicos.

Verdade seja dita: houve um momento, logo depois de nosso protagonista trocar o certo pelo duvidoso, que ele chegou a se arrepender dessa escolha.

De volta à realidade de uma família que não tinha condições de bancar os seus estudos, o desespero bateu com tudo. Como Carlos nos contou em entrevista para o canal Imparável, superada essa hesitação inicial, o pragmatismo retornou. O que ele tinha de fazer, pensou, era planejar os passos seguintes: ser aprovado no vestibular e procurar um emprego.

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A ideia de prestar concurso público partiu de um amigo dos tempos da academia militar. Os dois moravam na mesma rua e faziam as mesmas coisas, então logo se instalou entre eles uma saudável competição. Não demorou muito, ambos foram aprovados em vários concursos. O resto é história. A carreira do professor Mendonça foi conquistada degrau a degrau. Primeiro, ele foi aprovado para cargos que exigiam apenas o ensino médio; depois, mesmo antes de colar grau na faculdade, disputou e conquistou vagas que exigiam o curso superior no ato da posse.

O que estou tentando dizer por meio da história do Professor é que a aprovação em concurso público depende dos mais diversos fatores. A sorte é um deles? Óbvio que sim. Pode ser que caia na prova o conteúdo que o candidato mais estudou, os assuntos que ele domina ou dos quais gosta mais.

Em alguns casos, até a circunstância de ele ter alguma experiência relacionada às disciplinas de maior peso pode ajudar. Foi, aliás, o que aconteceu com o nosso mestre no projeto de ingressar no INSS: quando era servidor da Justiça Federal, Carlos foi lotado numa vara especializada em previdência e, por força das atividades no Juizado, conhecia bem o trabalho dos procuradores. Ele nos confidenciou que já naquela época se achava apto a exercer as atribuições do cargo, de tanto que conhecia a matéria.

Determinado a integrar a carreira, elaborou um plano de estudos rigoroso, com os seguintes rituais e horários: chegada ao Juizado às 7h da manhã e estudo até às 11h; trabalho das 11h às 17h; estudo das 17h às 19h, antes do início das aulas na faculdade. Em casa, mais estudo, que se estendia madrugada a dentro, pelo menos até à 1h30 da manhã. Essa foi a rotina por um ano e meio, mas lhe rendeu a aprovação.

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Como todo planejamento eventualmente precisa ser alterado, no meio do caminho nasceu o primeiro filho. “E agora”, pensou, “como é que eu vou continuar estudando?” A resposta veio na forma de um acordo com a esposa: ela cuidaria da criança até mais ou menos às 23h, quando estaria liberada para ir dormir. Chegada a hora da mamadeira no meio da madrugada, seria a vez de Carlos tomar conta do filho. Tudo funcionava como num quartel: marido e mulher tinham turnos. Não raro, o concurseiro teve de estudar com o filho no colo.

Curiosamente, foi a época mais produtiva. Afinal, a responsabilidade do pai aumentara significativamente com a chegada da criança, assim como sua motivação. E ninguém segura uma pessoa motivada.

O professor Mendonça foi aprovado para o INSS um ano antes de se formar, e nem teve tempo de curtir a formatura direito. Ficou sem a foto de beca, mas conquistou a estabilidade financeira. Anos depois, confessou: “Eu me sinto realizado porque tive duas profissões: consegui tirar o brevê de piloto da Força Aérea e voar, e agora estou na carreira que escolhi.” Certamente era motivo de comemoração e agradecimento. Carlos foi a personificação do mote: “Se você não quiser trabalhar, é só fazer o que gosta, que nunca mais precisará trabalhar na vida.

Certa vez, num dos eventos do Gran, o Professor contou que, se pudesse escolher entre ser muito inteligente ou ser motivado, escolheria mil vezes ser motivado. Ora, Carlos conheceu muita gente inteligente na vida; mas, em sua experiência, boa parte dessas pessoas demonstrava certa arrogância. Ele próprio acreditava inserir-se no grupo dos menos inteligentes — apesar de ter sido o oitavo colocado no concurso do INSS.

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Como dizia, em geral, inteligente é o cara bom em matemática. “Matemática você estuda um pouquinho e consegue resolver mil problemas. O direito não é assim. Não adianta estudar a matéria, ler a lei seca, decorar o texto legal, pois você não conseguirá resolver mil problemas. Precisará estudar as posições doutrinárias divergentes e a variação jurisprudencial. Ou seja, você tem de estudar todos os dias.” 

Numa derradeira lição, o saudoso professor aconselha: “Não é fácil passar em concurso. É muito difícil, mas não impossível; é uma dificuldade que todo mundo pode superar. Talvez alguém supere com três meses de estudo, talvez alguém supere com um ano, talvez outros superem com dois anos... Não é esse o problema. O problema, ou a verdade, é que todo mundo pode superar, mas dentro de sua capacidade. Faça um planejamento de longo prazo. DEDIQUE-SE! Com certeza você chegará aonde quiser.” 

Caso você queira se inspirar ainda mais na história de Carlos, convido você a assistir AQUI à entrevista que conduzi com o nosso mestre há quatro anos. Saudades desse grande fera...

Obrigado por tudo, professor Carlos Mendonça! Descanse em paz, eterno mestre!

*texto de Gabriel Granjeiro, diretor-presidente do Gran Cursos Online

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Gabriel Granjeiro
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