A culpa é um sentimento de dívida, em que você se sente mal por ter falhado com outra pessoa. Este sentimento pode trazer consequências negativas no desenvolvimento de projetos pessoais e profissionais
PUBLIEDITORIAL Publicado em 20/01/2021, às 10h09
Culpa é o sentimento de dívida. Vem da impressão de ter falhado consigo mesmo ou com alguém, percepção essa que pode ou não corresponder à realidade. Todo ser humano está sujeito a essa sensação, exceto os sociopatas, por serem privados da bússola moral que indica o que é certo e o que é errado. Em outras palavras, trata-se de sentimento inerente à condição humana, mas sabe qual é o problema de não se conseguir gerenciá-lo?
O problema, caro leitor, é que ficar remoendo a culpa não produz efeito prático algum, apenas abre portas para lamúrias e mais lamúrias. Pior ainda, pode tornar você mais um refém do medo, incapaz de esboçar reação. Percebe que funciona como um veneno dos mais potentes? Então, quais seriam os antídotos? Continue lendo, que talvez eu possa oferecer alguma resposta.
Primeiro, é preciso compreender a origem desse sentimento. Entenda que ele está sempre relacionado a uma decisão tomada no passado, com reflexos no presente. Por exemplo, a culpa que talvez você, concurseiro, carregue hoje, por não passar com a família o tempo que gostaria, é fruto de sua decisão de mudar de vida por meio dos estudos. Lembra-se de tê-la tomado, lá atrás?
Segundo, temos de aceitar que frustrações são inevitáveis, mas ruminá-las ou não, ao contrário, está sob nosso total controle. Como explica a psicóloga e professora do Gran Kátia Lima, a quem consultei antes de redigir este artigo, “a ruminação relacionada à culpa, à luz da psicologia cognitivo-comportamental, vem de um pensamento inútil, caracterizando, assim, uma atividade mental sem propósito, que não nos levará a lugar nenhum”.
Um tipo de culpa é a chamada “situacional”. Ela surge após um fato ou a tomada de certa decisão e pode ser descrita como uma espécie de hesitação sobre ter feito o que fez e do jeito que fez. Ora, erros e acertos constituem experiências, fazem parte da vida. Assim, uma decisão que gere resultados extraordinários pode, igualmente, produzir consequências negativas. Não se martirize. Não se condene. Procure pensar que você agiu de acordo com as informações disponíveis e as condições do momento. Você deu o seu melhor conforme o seu entendimento da época, e ponto.
Outro tipo é a culpa subliminar, sem conexão com nenhuma ação concreta, nenhum evento em particular. Tem a ver com sensações difusas como a de não estar sendo um bom filho, esposo, indivíduo; ou a de estar deixando a desejar nos estudos, na academia, na alimentação... Talvez esse tipo de culpa seja mais prejudicial por criar fantasmas que assombram o tempo todo, iniciando um círculo vicioso no qual, quanto mais nos culpamos, mais repetimos o “erro” original, que resulta em mais culpa, e assim sucessivamente.
Claro, a culpa tem lá a sua função social e individual. A pesquisadora Brené Brown explica que o sentimento é saudável quando nos move em direção a pensamentos e comportamentos positivos, ao desenvolvimento como ser humano. É com base nas lições aprendidas a cada tropeço que vamos criando saídas para situações desconfortáveis que experimentamos. A culpa é, assim, parte da solução.
O problema surge quando não mantemos nossos sentimentos sob controle. Explico: uma pessoa consumida pela culpa tende a perseguir formas de castigo, julgando-se merecedora de punição, e isso leva facilmente à autossabotagem. A penitência provoca a ilusão de que se está quitando a “dívida”. Cegos e confusos, esquecemos que a vida não tem interesse algum em nos punir. Para ela, basta aprendermos com a experiência e seguirmos em nosso crescimento. “Menos culpa, mais aprendizado!” É esse que precisa ser o nosso mote.
Dra. Juliana Gebrim, outra psicóloga do Gran que ouvi em busca de informações mais precisas para este artigo, sugere algumas formas de lidar com a culpa:
A conotação negativa da palavra “culpa”, que lembra martírio, precisa ser substituída por outra, mais propositiva. “Sim, eu poderia ter feito diferente. Assumo a responsabilidade por isso e vou agir de outra forma com as informações que tenho hoje” deve ser o pensamento a nos guiar. Analise bem: você foi mesmo causador do evento que deu origem a seu sentimento de culpa? Será que não está tomando para si a responsabilidade por algo que era inevitável? Se você foi mesmo o grande responsável, aprenda com a experiência, e bola pra frente!
A culpa integra nosso processo de construção como pessoas. Tudo bem senti-la, mas é essencial compreendê-la como um norte para agirmos diferente. Lembre-se: não somos máquinas, das quais se espera perfeição, mas seres humanos, falíveis por natureza.
Nossas ações não nos definem, amigo leitor. Exercer a autocompaixão é essencial no controle do estresse, na melhora da autoestima e na gerência da culpa. Tenha mais carinho por si mesmo.
Se você agiu conforme o melhor entendimento que tinha na época, não há motivo para se culpar tanto. Talvez hoje não fizesse igual nem tomasse a mesma decisão, mas o contexto é outro. Ou você acha que não pode errar nunca? Só se vive no agora, e já conversamos sobre isso. Não teríamos a maturidade de hoje sem os tropeços de ontem, lembra?
Anote ou registre mentalmente as lições do passado, zere o histórico e pense: “O que vou fazer diferente a partir de agora?” É preciso ser pragmático, transformando o sentimento de culpa em atitude para mudar o futuro.
O último estágio da culpa, o arrependimento, antecede o momento em que finalmente conseguimos perdoar a nós mesmos e ao próximo. Como sempre digo, o maior beneficiado em perdoar é você mesmo, não importa o que a outra pessoa fez! Seja sagaz e pratique o perdão.
“A verdade sai do erro, por isso nunca tive medo de errar, nem dele me arrependi seriamente”, disse, certa vez, o psiquiatra suíço C. G. Jung (1875-1961). Temos de ser mais benevolentes com nós mesmos ao falharmos. O erro é o caminho do acerto e deve ser visto como útil, construtivo.
A ideia, portanto, é, quando sofrermos algum desgosto ou perturbação, não perdermos tempo repassando os fatos na mente, sucessivas vezes, em busca de culpados. O melhor é analisar o que aconteceu, com o cuidado de separar agente e ato – que, afinal, não se confundem –, e extrair da experiência o máximo de lições possível. Estamos em contínua construção, e não é nada razoável se culpar por não ter agido de uma dada maneira no passado. Nunca é demais lembrar que a consciência que temos hoje é resultado dos erros e acertos de ontem.
Você pode ter falhado inúmeras vezes, muitas delas de forma bastante grave, mas você não é um erro. Nenhum de nós, aliás. Não cultive mais esse sentimento. Se ele surgir, dê passagem para que vá embora logo. Aprenda com sua própria história, perdoe-se e siga em frente. Não carregue mais peso do que consegue. Com a consciência de hoje, você pode escrever novos e melhores capítulos para o seu amanhã, não reescrever os de ontem.
*Gabriel Granjeiro, Diretor-Presidente e Fundador do Gran Cursos Online