No artigo dessa semana, Gabriel Granjeiro nos explica que o autocuidado não é um ato egoísta, pelo contrário cuidar de si mesmo é uma tarefa coletiva
PUBLIEDITORIAL Publicado em 16/11/2021, às 13h26
Você está dentro de um avião, ainda em solo, prestes a sair de viagem a trabalho ou de férias e, enquanto aguarda a decolagem, assiste ao tripulante explicar os procedimentos para o caso de emergência em voo. Lá pelas tantas, uma famosa frase é pronunciada: “Em caso de despressurização, máscaras de oxigênio cairão automaticamente. Se estiver acompanhado de alguém que necessite de sua ajuda, coloque a máscara primeiro em você para em seguida ajudá-lo.”
Sabe qual é a lógica por trás dessa importante recomendação? É simples: se você não estiver conseguindo respirar, não poderá ajudar ninguém. Com a queda da saturação dos níveis de oxigênio, em questão de segundos, uma pessoa saudável perde a capacidade de reconhecer formas e experimenta problemas de coordenação motora e confusão mental. Após alguns minutos, perde a consciência e, com ela, a possibilidade de ajudar quem quer que seja, até a si própria.
A ideia de priorizar o próprio bem-estar pode até contrariar alguns dos instintos humanos mais básicos, como o da mãe, que tende a salvar primeiro o filho, ou o do jovem, que provavelmente pensaria em colocar a máscara antes no avô sentado ao lado... Porém, se usarmos da razão, logo concluiremos que essas escolhas seriam as piores. No mundo real, tanto a mãe como o filho e tanto o neto como o avô poderiam acabar privados de oxigênio.
Veja bem, agir conforme as recomendações de segurança não indica egoísmo, mas racionalidade. Quem compreende a importância daqueles segundos iniciais numa situação de urgência em voo sabe que o certo é mesmo tentar se manter lúcido para conseguir fazer tudo que for necessário nos instantes seguintes.
Se o passageiro teimasse em primeiro socorrer a pessoa ao lado, estaria colocando em risco não só a si mesmo, mas também a todos que dependessem dele para ter uma chance. No fim, todos poderiam ficar desorientados, impossibilitados de enfrentar a emergência – e sobreviver a ela.
Partindo da mesma premissa, mas estendendo-a a outras esferas da vida, minha sugestão de hoje é: cuide primeiro de si mesmo para depois, estando bem, poder ajudar os outros.
Estou falando de autocuidado, caro leitor, algo que tem a ver com as ações, com os hábitos e com as rotinas de uma pessoa que se ama e se preocupa consigo mesma. Tem tudo a ver com autoestima, outro tema já abordado por mim (leia o artigo AQUI).
Autocuidado pressupõe atenção a todas as dimensões do indivíduo: pessoal, social, profissional, intelectual e emocional. Isto é, trata-se de corpo e mente cuidados na mesma medida.
Nesse contexto, quem se ama e se cuida precisa, por exemplo, saber dizer não sem remorso. Quem é incapaz de fazê-lo pode estar depositando sua autoestima no outro, o que é muito, muito perigoso.
Claro que há convites que precisamos aceitar mesmo se forem contra nosso desejo, mas há muitos outros que podemos e devemos recusar sem problema algum. Não permita que a preocupação com o que pensam de você afete seu amor-próprio.
O autocuidado é tão legítimo que está previsto inclusive nas escrituras. Em Mateus 22:39, por exemplo, há o mandamento “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Note que interessante: a orientação parte da premissa de que você se ama, se cuida, se importa consigo mesmo. É dizer, até mesmo o texto sagrado reconhece no autocuidado a condição para cuidar do próximo.
Embora seja determinante para o sucesso, o cuidado consigo mesmo muitas vezes é mal interpretado. Entre alguns, pode ser confundido com egoísmo, vaidade, sobretudo se exercido por quem é responsável direto por outras vidas, como a de uma criança. Nesses casos, não é raro a escolha deliberada pelo próprio bem-estar gerar sentimento de culpa, como se fosse indício de que a pessoa tem algum defeito moral.
Não é por aí.
O autocuidado é a concretização do desejo de ser gentil consigo mesmo, de compreender os próprios sentimentos e de se ajudar de alguma forma – note bem, antes de poder ajudar os outros. Isso é muito diferente de egoísmo, que leva o indivíduo a pôr os próprios desejos, opiniões e interesses à frente dos do outro e sem nenhuma razão ao menos com aparência de nobre.
Uma mãe, quando cuida de si, não está prejudicando o filho; ao contrário, está se fortalecendo e, em última análise, garantindo que viverá mais e melhor para ele. Talvez ela precise delegar os cuidados com a família uma ou duas horas por dia enquanto pratica uma atividade física ou vai a uma consulta médica... Sem culpa, sem estresse. Ela está apenas se cuidando. Afinal, sua saúde é fundamental para toda a família.
O mesmo vale para o estudo, eis aonde eu queria chegar. O autocuidado no campo intelectual é de enorme importância. A busca incessante por novas habilidades e novos conhecimentos é uma forma de se amar.
Isso pode impor que se fique um pouco mais distante dos entes queridos durante certo tempo? Pode, mas lembre-se de que sua autoestima não pode ser depositada na expectativa que eles têm sobre você.
Só você sabe onde o sapato aperta. Só você sabe das suas dores e dificuldades e como o autodesenvolvimento pode contribuir para que tudo se resolva.
Então coloque a sua máscara de oxigênio primeiro e só depois ajude seus filhos, pais e avós a vestirem as deles. É assim que todos vocês sairão da situação de perigo sãos e salvos. É assim que vocês chegarão ao destino bem e fortalecidos.
Aceite um elogio. Pare de se sentir inferior. Invista em você. Se dê de presente algo legal, mesmo que baratinho, de vez em quando. Entenda que você é a pessoa mais importante da sua própria vida.
Quer ajuda? Peça, mas, antes de tudo, ajude a si mesmo.
*texto de Gabriel Granjeiro, diretor-presidente do Gran Cursos Online