De acordo com ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), candidatos devem passar por exame para efetuar a inscrição em concursos para juiz
Fernando Cezar Alves Publicado em 18/10/2023, às 08h31
Ao assumir a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na última terça-feira, 17 de outubro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso anunciou que os candidatos a concursos para juiz deverão passar a ser submetidos a uma prova preliminar. Somente os aprovados na avaliação poderão concorrer, de acordo com reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico.
De acordo com o ministro, "os tribunais continuam com autonomia para organizar seus concursos, mas a inscrição nesses concursos dependerá da aprovação desse exame". Segundo ele, os critérios para a avaliação devem ser definidos dentro de um prazo de 30 dias.
Além disso, durante seu discurso de posse, Barroso antecipou que o Conselho Nacional de Justiça avalia a possibilidade de concessão de bolsas de estudos para candidatos pretos ou pardos em cursos preparatórios, com duração de dois anos.
Barroso já defendia a realização de um certame nacional para ingresso na magistratura desde 2007, quando publicou um artigo nesse sentido.
Veja o artigo do ministro, na íntegra:
O presente artigo não discute o terremoto produzido pela Operação Hurricane nem os seus efeitos imediatos e de curto prazo. O fato de tramitar o processo em segredo de justiça torna imprudente, nesse momento, avaliações mais profundas. O debate aqui suscitado diz respeito aos concursos públicos para ingresso na magistratura e às notícias, que voltam e meia ocupam espaço nos jornais, acerca de irregularidades e favorecimentos em tais certames.
As reflexões e propostas aqui apresentadas não devem ser interpretadas como um juízo de valor sobre qualquer episódio específico, nem como pré-julgamento de quem tem - e merece - presunção de inocência e direito ao devido processo legal. As idéias trazidas são de natureza institucional e se voltam para o futuro.
No ano de 2003, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - CDDPH, órgão independente integrante da estrutura do Ministério da Justiça, aprovou por unanimidade uma proposição no sentido de se instituir um Exame Nacional de Magistratura. A idéia foi encaminhada ao Ministro da Justiça, mas não chegou a figurar nos debates sobre a Reforma do Judiciário, que àquela altura já estava em fase conclusiva no Senado Federal.
A justificativa de tal proposição era direta: diversos membros do CDDPH, em andanças pelo País, ouviam a queixa indignada de que inúmeros concursos para a magistratura, realizados no âmbito dos Estados, seriam fraudados, sobretudo para favorecer parentes de membros do Poder Judiciário. Sem competência e sem condições para apurar tais denúncias, isto é, sem capacidade repressiva, o Conselho optou por uma linha construtiva: a de procurar minimizar o risco de desvios de conduta.
Na idéia apresentada e aprovada, os Tribunais de Justiça dos Estados e os Tribunais Regionais Federais continuariam responsáveis pelos concursos de admissão de juízes estaduais e federais dentro da sua jurisdição. Todavia, a inscrição em tais certames públicos dependeria de prévia aprovação no Exame Nacional de Magistratura, uma espécie de "provão" geral, de natureza objetiva, a ser organizado, por exemplo, pelo Superior Tribunal de Justiça. Os recursos tecnológicos atuais permitem o envio das provas, por meio digital e em tempo real, para serem realizadas simultaneamente nos diferentes Estados da Federação.
Por esse mecanismo singelo, proceder-se-ia a um filtro inicial dos candidatos, sem qualquer influência ou ingerência dos poderes locais. Além das vantagens referentes à confiabilidade e à homogeneidade de critérios, tem-se também um ganho em eficiência e em economicidade: em lugar de cada Tribunal investir tempo e energia em "provões" próprios - que lidam com um número imenso de candidatos - beneficiar-se-iam todos de um esforço concentrado e unificado. A composição das bancas, por igual, poderia se dar pela indicação de nomes nacionais em cada área de conhecimento específico, com ganho qualitativo na formulação das questões.
Os membros do Poder Judiciário - juízes e desembargadores -, ao contrário dos integrantes dos outros dois Poderes, não são investidos nos seus cargos por meio de eleições. E é bom que seja assim. A maior parte das democracias contemporâneas reserva uma parcela do poder para ser exercido por agentes públicos que são escolhidos por critérios de qualificação técnica, sem subordinação ao processo político majoritário. Concursos públicos são a via constitucional para a seleção dos que têm melhor formação e que se prepararam mais adequadamente para a função que pretendem exercer. Não é um critério perfeito, mas nas circunstâncias brasileiras, é o melhor.
Como conseqüência, juízos e tribunais colhem a legitimidade democrática de sua atuação não no processo eleitoral, mas na capacitação técnica, na imparcialidade política e no distanciamento crítico em relação aos casos que lhes são trazidos para julgamento. Um juiz tecnicamente deficiente, indevidamente politizado ou interessado por qualquer forma no litígio que lhe cabe decidir deslegitima a Justiça. Como o Judiciário não tem tropas nem imprime dinheiro, sua única força é moral, por simbolizar o bem e a justiça. Um juiz incorreto ou beneficiário de uma incorreção não viola apenas a lei, mas enfraquece as instituições.
A idéia de um Exame Nacional de Magistratura pode perfeitamente ser estendida às demais carreiras e atividades jurídicas, de modo a se ter, por exemplo, um Exame Nacional da OAB (idéia que já vem amadurecendo) e um Exame Nacional do Ministério Público. Em qualquer hipótese, não se retirará das entidades locais - Tribunais, Conselho Seccional da OAB ou Procuradorias da República e da Justiça - a competência para organizar seus concursos e provas. O que se estabelece é a aprovação no exame nacional como requisito de inscrição. A fórmula é relativamente simples e pode ajudar a derrotar a sensação, que volta e meia se irradia pelo país, de que há pessoas fora e acima da lei, de que o mal pode mais do que o bem e de que não há nada a fazer.
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