Cotas raciais: lei ainda gera polêmica nos concursos

Concursos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), da Polícia Federal (PF), das Forças Armadas, do Instituto Rio Branco (IRBr) e dos Institutos Federais de Educação (IFs) estão entre os envolvidos na discussão

Camila Diodato   Publicado em 10/06/2019, às 11h41 - Atualizado às 11h43

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Após o recente caso de fraude em cotas raciais envolvendo um aprovado no concurso INSS 2016, entidades devem reavaliar o método de verificação dos critérios adotados para as cotas raciais.

Em 9 de junho de 2014 entrou em vigor a lei nº 12.990/2014, que reserva 20% do provimento das vagas efetivas e empregos públicos dos concursos da administração pública federal para candidatos negros e pardos. Só que, apesar de ter completado mais de cinco anos, o sistema de cotas continua a gerar diversas polêmicas.

Por conta da falta de regulamentação e fiscalização, órgãos e candidatos encontraram brechas para “burlar” a lei. Devido a tal situação, movimentos que apoiam a causa têm levantado discussões sobre o que deveria ser feito para que a norma fosse realmente aplicada.

Dentre os órgãos públicos do âmbito federal que já apresentaram polêmicas estão os seguintes: Polícia Federal, Instituto Rio Branco, Forças Armadas e Institutos Federais de Educação, além do Instituto Nacional do Seguro Social.

Polícia Federal


No dia 27 de julho de 2015, o Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF/ES) ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, contra a Fundação Universidade de Brasília (FUB) e a União, solicitando a suspensão imediata do concurso com 600 vagas para agente da Polícia Federal. Para o órgão, a lei das cotas raciais é inconstitucional e inaplicável.

Consta no item 5.1 do edital do processo seletivo que “das vagas destinadas ao cargo de agente da Polícia Federal, 20% serão providas na forma da lei nº 12.990/2014”, enquanto o item 5.1.2 descreve que “para concorrer às vagas reservadas, o candidato deverá, no ato da inscrição, optar por concorrer às vagas reservadas aos negros, preenchendo a autodeclaração de que é preto ou pardo, conforme quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”

Autor da ação, o procurador da República Carlos Vinicius Cabeleira explicou que as cotas para o ingresso no serviço público são inconstitucionais. “A lei só poderia ser aplicada se e quando o IBGE instituir critérios objetivos para definição de cor e de raça, já que, pela autodeclaração, todos podem ser cotistas, o que inviabiliza o sistema de cotas”, ressaltou.

Instituto Rio Branco


Novamente surgiu uma polêmica no concurso para diplomata executado pelo Instituto Rio Branco. O detalhe é que esta é a segunda fraude feita pelo mesmo candidato em um período de dois anos.

Em 2013, como divulgado pelo JC, Mathias de Souza Lima Abramovic, um médico carioca branco e com olhos verdes, chegou a ser aprovado nas duas primeiras etapas da seleção para diplomata. No último processo seletivo para este cargo, cujas provas foram aplicadas no dia 2 de agosto de 2015, o médico voltou a se candidatar no sistema de cotas. Abramovic declarou que se diz afrodescendente porque tem uma bisavó paterna negra e avós maternos pardos.

Em seu site, a organização não governamental Educafro se manifestou sobre o assunto. A entidade reclama da falta de critérios para a confirmação de que os concursandos que se favorecem do sistema de cotas são realmente negros.

Para a Educafro, “as cotas estão estabelecidas por lei e foram reconhecidas como constitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Assim, quer o leitor concorde ou não com elas, é uma ação afirmativa em vigor. Daí, favoráveis e contrários à medida devem se unir para que a mesma seja executada de forma adequada.”

Forças Armadas


O Ministério Público Federal (MPF) entende que os concursos para ingresso nas Forças Armadas precisam assegurar a cota para negros e pardos. Só que uma denúncia feita por um cidadão alertou o MPF que o edital para admissão na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) omitiu as cotas.

Por conta da denúncia, o MPF instaurou um inquérito civil público para apurar o caso. A Escola Preparatória de Cadetes do Exército se manifestou ao MPF dizendo que a norma não menciona reserva de vagas no âmbito militar e que há uma lei específica que estabelece regras para o ingresso nas Forças Armadas.

Após a resposta do Exército, o ministério propôs à Justiça uma ação civil pública solicitando que a União altere o edital da EsPCEx, para que o mesmo disponibilize 20% das vagas para negros e pardos, conforme determina a lei n° 12.990/2014. O ministério pediu, ainda, que o prazo de inscrição fosse reaberto para tais candidatos.

Na ação enviada à Justiça, a procuradora da República Ana Carolina Roman explicou que o concurso para admissão nas escolas de preparação militar caracteriza o meio para o ingresso nas Formas Armadas, ou seja, é uma forma de preenchimento de cargos efetivos da União. O MPF salientou que a lei n° 12.990/2014 prevê expressamente a cota para negros e pardos no provimento de vagas na administração pública federal, o que é aplicável aos militares.

Institutos Federais de Educação


Também em 2015, pelo menos dois concursos da área da educação, em órgãos da administração federal, foram questionados judicialmente por conta da maneira que foram distribuídas as vagas. Os processos seletivos mencionados são os dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA) e de São Paulo (IFSP).

Ambos os institutos lançaram editais nos quais as vagas foram fracionadas segundo a área e a lotação. Como grande parte das áreas de conhecimento contempladas tinha apenas uma ou duas oportunidades (vale ressaltar que a legislação prevê as cotas quando há, no mínimo, três vagas), não houve reserva para negros.

O concurso do IFMA foi contestado pela Defensoria Pública da União (DPU), enquanto o do IFSP foi contraditado pelo Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP). No caso do IFMA, uma decisão liminar da 3ª Vara Federal do Maranhão decidiu que, do total de 210 vagas para professor, 42 fossem destinadas aos negros. Já a ação contra o IFSP segue em trâmite na 7ª Vara Cível de São Paulo; nesta situação, o MPF/SP quer a suspensão do certame com 166 postos de professor, para que seja assegurada a cota para negros e pardos.

Último concurso INSS (2016)

Um servidor que ingressou no último concurso INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) foi exonerado do órgão por fraudar o sistema cotas. Conforme reportagem feita pelo programa Fantástico, da Rede Globo, Lucas Soares Fontes, um homem branco e de olhos verdes, pintou o rosto e usou lentes de cor escura para obter pontos e conseguir a vaga destinada à cota para pretos e pardos.

Regulamentação


Devido a tantos problemas, representantes do movimento negro defendem a regulamentação da lei. Mas, por enquanto, o governo federal não tem planos para editar um decreto regulamentando a norma, apesar de reconhecer que há diversas dúvidas sobre o assunto.

Em entrevista à Agência Brasil em 2015, o ex-secretário de Políticas de Ações Sociais Afirmativas da Secretaria de Promoção da Igualdade Social da Presidência da República (Seppir), Ronaldo Barros, disse que já foi divulgada uma nota técnica relativa à lei, prevendo a possibilidade de constituir comissão de verificação com relação à autodeclaração e que, em breve, sairá outra nota com respostas para diversas questões.

O secretário também afirmou o seguinte: “a gente encontra alguma dificuldade [na aplicação da lei] e há um nível de solicitação de informações na Seppir. Dúvidas sobre onde se aplica, por exemplo, se nos níveis estadual e municipal. Aí esclarecemos que é só no âmbito federal. Tem o modus operandi das universidades, onde acaba havendo um fracionamento de vagas que impede que o espírito da lei seja preservado”. Segundo Ronaldo, há, ainda, a possibilidade de uma portaria ou instrução normativa a respeito.

O reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, quer que seja feita uma solução para a falta de regulamentação da norma. “Me parece, pelos relatos, que temos uma deficiência ou forma inadequada de fazer as regras para esses concursos. Acho que nós temos que ter o cuidado de criar um critério unificador, que impeça interpretações particulares. Não sei se uma portaria é suficiente. Eu gostaria que tivesse um decreto regulamentando”, defendeu.

A lei das cotas raciais em concursos do âmbito federal tem validade de dez anos, período contado a partir da data da sanção da então presidente da Dilma Rousseff.

* Com informações dos sites da Agência Brasil, MPF/ES, MPF/DF e Educafro