Estudiosos do serviço público contestam a suposição de que no Brasil haja excesso de pessoal no setor público; países desenvolvidos têm mais servidores
Jean Albuquerque Publicado em 31/07/2023, às 15h00
Os países desenvolvidos têm mais servidores públicos do que o Brasil, esse é um dos argumentos que ganhou destaque diante do debate da reforma administrativa, que no momento, está parada no Congresso Nacional.
Os estudiosos do serviço público defendem a necessidade de realizar uma revisão abrangente do sistema de concursos públicos, uma reformulação das carreiras já existentes, uma adequação do quadro de funcionários às evoluções do mercado de trabalho e uma melhoria no processo de avaliação de desempenho. Porém, eles contestam a suposição de que haja um excesso de pessoal no setor público.
Segundo o pesquisador e um dos coordenadores do Atlas do Estado Brasileiro, plataforma do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que reúne dados sobre servidores públicos, Félix Lopez, ouvido pelo Jornal Folha de S. Paulo, a explosão de da força de trabalho do serviço público do Brasil, "é um verdadeiro mito. Uma simples comparação internacional mostra isso".
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Só para se ter uma ideia, segundo publicação da Folha, dos 91 milhões de trabalhadores do país, apenas 11,3 milhões estão atuando no setor público com diferentes tipos de contratação, o que representa 12,45% do total.
A proporção de servidores públicos no Brasil é semelhante à do México, onde 12,24% da população trabalha no setor público. No entanto, é inferior à dos Estados Unidos, que é uma referência global na valorização da iniciativa privada, com 13,55% dos trabalhadores atuando no setor público.
Comparado ao vizinho Chile, que passou por reformas liberais reduzindo o tamanho do Estado, o Brasil também tem uma fatia menor de servidores, representando 13,10% da força de trabalho chilena.
Embora os números sejam relevantes, Félix Lopez destaca que é crucial considerar as políticas públicas de cada país. O Brasil tem ambições de universalizar a saúde e a educação, o que requer uma quantidade maior de servidores. Mesmo assim, ainda está em uma posição intermediária em comparação internacional.
Em relação às nações europeias que adotaram o Estado de bem-estar social, o efetivo brasileiro está significativamente abaixo. Na Noruega, os servidores representam 30,22% dos trabalhadores, e na Suécia, 29,28%.
Em média, nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), os funcionários públicos representam cerca de 23,48% do total de trabalhadores.
No Brasil, o número de servidores públicos teve um crescimento expressivo, em torno de 400%, nos municípios desde o início dos anos 1990. Esse aumento foi impulsionado pela necessidade de atender aos serviços de saúde, educação e assistência social estabelecidos na Constituição de 1988, como destaca o pesquisador.
Os professores, médicos e enfermeiros somam aproximadamente 40% do funcionalismo municipal, e essa expansão está diretamente relacionada à demanda da sociedade, ou seja, à necessidade de atender às exigências constitucionais e ao bem-estar da população.
Apesar do crescimento do número de servidores, ainda há deficiências em áreas que demandam maior qualificação. Uma pesquisa recente realizada pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios) revelou que um terço das cidades enfrenta dificuldades para preencher vagas de médicos, inclusive em grandes centros urbanos.
Para Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, também ouvido pelo jornal, nas cidades menores, a dificuldade para encontrar profissionais qualificados se estende a outras áreas, como contabilidade e engenharia.
No entanto, a situação é ainda mais crítica quando se trata de médicos. Baixos salários, exigência de carga horária de 40 horas, escassez de recursos e deficiências na infraestrutura pública são apontados como alguns dos problemas que dificultam a atração de profissionais qualificados para o serviço público.
Ao considerar a esfera federal, o número de servidores tem diminuído, com exceção dos professores universitários, cuja categoria apresentou crescimento.
A Folha também ouviu o Coordenador-geral de Ciência de Dados da Diretoria de Altos Estudos da Enap (Escola Nacional de Administração Pública), Pedro Masson, que afirmou que o contingente de servidores estatutários em 2023 é menor do que o registrado em 1989, representando quase 100 mil servidores a menos.
É importante destacar que a ideia de que os órgãos federais estão superlotados de funcionários ociosos é uma caricatura. A transição digital tem possibilitado a automação de várias atividades, resultando em mais de 4.000 serviços digitalizados, incluindo a prova de vida para aposentados e pensionistas do INSS.
Esse processo é realizado pelo órgão por meio do cruzamento de dados e também pode ser feito pelo próprio beneficiário por meio de biometria no aplicativo Meu INSS.
Apesar dos avanços na digitalização, há setores na esfera federal que enfrentam escassez de pessoal, especialmente em agências reguladoras, institutos de pesquisas e órgãos ambientais. A falta de recursos humanos nessas áreas pode apresentar desafios para o adequado desempenho de suas funções e cumprimento de suas atribuições.
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