Projeto de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados altera o Código Penal para excluir o crime de furto em duas situações. Entenda a diferença entre o furto de pequeno valor e o furto famélico
Mylena Lira Publicado em 21/09/2022, às 15h22
Você é a favor do pequeno furto deixar de ser punido com prisão? Ao se deparar com um caso desse, o Judiciário absolviria o acusado, diante da ausência de crime, ou, a depender da situação, aplicaria somente pena de multa ou pena restritiva de direitos, como a prestação de serviços à comunidade, por exemplo.
Isso é o que prevê o Projeto de Lei 4540/21, que altera o Código Penal para determinar que não haverá prisão no caso de furto por necessidade ou de valores insignificante. Além disso, modifica quem pode propor a ação por furto.
Hoje em dia, esse tipo de crime é de ação penal pública incondicionada. Significa que a vítima que teve o bem subtraído não precisa representar contra o autor do delito. Independentemente da sua vontade de ver o crime punido, o Ministério Público é o detentor da ação e oferece a denúncia.
O PL propõe alterar a legislação também nesse ponto. Com a mudança, o furto seria crime de ação privada, dependendo do ofendido denunciar para que seja dado andamento ao processo penal contra o acusado. O prazo para queixa nos crimes de iniciativa privada é de até 6 meses, contado da data em que souber quem foi o autor.
A proposta foi apresentada pela deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) e outros sete deputados, com apoio de defensores públicos e instituições. O PL está em tramitação na Câmara dos Deputados e reacendeu a discussão sobre o encarceramento diante do furto famélico.
A desproporcionalidade entre o potencial lesivo do delito e as consequências em termos de encarceramento, somado ao aumento da insegurança alimentar no país, que atinge mais da metade da população, são algumas das justificativas para a atualização do Código Penal, criado em 1940.
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No furto, a subtração de coisa alheia móvel ocorre sem que haja violência. Sendo assim, é considerado um delito menos grave do que o roubo, que envolve, necessariamente, algum tipo de violência. Por isso mesmo, a penalidade prevista para quem pratica furto é mais branda (de um a quatro anos).
O Código Penal tipifica a conduta do furto no artigo 155, que passaria a ter a seguinte redação, caso o PL seja aprovado:
"§1º Para fins do disposto no caput, considera-se:
Furto por necessidade
I – quando a coisa for subtraída pelo agente, em situação de pobreza ou extrema pobreza, para saciar sua fome ou necessidade básica imediata sua ou de sua
família;
Furto insignificante
II – se insignificante a lesão ao patrimônio do ofendido.
........................................................
§ 2º Se é de pequeno valor a coisa furtada e se não for o caso de
absolvição, o juiz deverá substituir a pena de reclusão pela pena restritiva de direitos, ou
aplicar somente a pena de multa.
........................................................
§8º Não há crime quando o agente, ainda que reincidente, pratica o fato nas situações caracterizadas como furto por necessidade e furto insignificante, sem
prejuízo da responsabilização civil.
§ 9º Em todas as modalidades de furto, a ação penal se procede mediante
queixa.” (NR)."
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Como visto, o projeto de lei descriminaliza o furto, livrando o autor da prisão, quando ele é praticado por necessidade ou se o objeto subtraído tem valor insignificante (não provoca prejuízo patrimonial relevante à vítima).
Considera-se furto por necessidade quando o autor do crime está em situação de pobreza ou extrema pobreza e quando o item furtado tem o objetivo de saciar sua fome ou necessidade básica imediata sua ou de sua família. O furto famélico se dá justamente ao se apropriar de comida, medicamento ou outro item de higiene indispensável para a sua sobrevivência.
Atualmente, o Judiciário já aplica o princípio da insignificância para furtos de pequeno valor e já isenta de pena quem age por estado de necessidade para matar a fome, por exemplo. Porém, existem diversos casos de pessoas presas por furtar carne, água, lâmina de barbear e até miojo. Isso porque a aplicação desses institutos é feita de forma restrita.
Se o réu é reincidente, por exemplo, costuma-se negar a aplicação. Porém, a pessoa não tem fome apenas uma vez. A título de ilustração, em 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) revogou a prisão de uma moradora de rua que furtou dois pacotes de miojo, dois refrigerantes e um suco em pó de um supermercado.
Esses itens custavam, juntos, apenas R$ 21,69. Porém, mesmo diante do valor irrisório, o tribunal de Justiça manteve a prisão simplesmente porque ela era reincidente. O PL acaba com essas injustiças ao inserir no Código Penal expressamente que a reincidência não descaracteriza o furto por necessidade ou de valor insignificante.
Vale ressaltar que o direto à alimentação consta expressamente na Constituição Federal. Porém, de acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, cerca de 20 milhões de brasileiros não têm o que comer em suas casas.
Portanto, diante desse cenário de vulnerabilidade socioecômica, acentuada pela Pandemia da Covid-19, o comentimento de furto famélico (que o PL chama de furto por necessidade) é uma questão de sobrevivência e deve ser tratado dentro do aspecto social e não do penal.
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