Projeto de lei na Câmara dos Vereadores prevê retomada da gestão de CEIs pelo poder público e contratação de professores e outros profissionais
Fernando Cezar Alves | fernando@jcconcursos.com.br Publicado em 11/03/2021, às 08h50 - Atualizado às 14h37
Um novo concurso SME SP (Secretaria Municipal de Educação de São Paulo) poderá ser realizado. Neste sentido, tramita, na Câmara dos Vereadores de São Paulo o projeto de lei 140/2021, que tem por objetivo promover a retomada da gestão administrativa e pedagógica de equipamentos públicos municipais (CEIs), repassados à gestão indireta por associações e organizações sociais conveniada (OSCIPs) para provimento da educação infantil de um a três anos de idade. Para isto, caso a aprovada, a proposta prevê a realização imediata de concurso público para preenchimento efetivo de servidores nas respectivas unidades, incluindo professores, coordenadores, pedagogos, educadores infantis e psicólogos, bem como as demais carreiras do quadro de profissionais da educação do município.
A proposta, dos vereadores Elaine do Quilombo Periférico, Celso Giannazi, Erika Hilton, Luana Alves, Toninho Vespoli e Silvia da Bancada Feminista, todos do Psol, agora deve passar por análise nas respectivas comissões, antes de ser votada em plenário.
De acordo com o texto, as CEIs possuem edifícios e bens móveis de propriedade do município, devendo por ele ser geridos diretamente.
A proposta prevê a retomada de CEIs localizadas nos Centros Municipais de Educação Infantil (CEMEIs) e Centros Educacionais Unificados (CEUs). O texto prevê um período de transição, a partir de 2021, até 2030, com rompimento dos contratos com as organizações sociais e eventuais indenizações.
De acordo com o texto, "em função da grande desigualdade na qualidade de educação apresentada nos diferentes distritos da cidade, a SME deve priorizar, dentre os equipamentos cuja administração direta será retomada, aqueles localizados em regiões de maior vulnerabilidade e grande demanda por vagas nos últimos dois anos: Jardim Ângela, Capão Redondo, Campo Limpo, Grajaú, Pedreira, Campo Grande, Sacomâ, Jabaquara, Vila Andrade, Jardim São Luís e Cidade Ademar - localizados na Zona
Sul; São Rafael e Sapopemba - localizados na Região Sudoeste; Vila Maria e Tremembé - na Zona Norte; e Ermelino Matarazzo, na Zona Leste da capital"
Sobre a realização de concurso, a proposta também especifica que a seleção deve objetivar também a contratação de profissionais destinados à Política Paulistana de Educação Especial, responsável por incluir nas unidades educacionais e espaços educativos da Secretaria Municipal de Educação, bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades ou superdotação observadas as diretrizes estabelecidas no Decreto
57.379, de 13 de outubro de 2016.
Além disso, ressalta que a realização do concurso público não pode descartar
a chamada dos aprovados nos concursos anteriores para o preenchimento das vagas existentes e as que serão abertas com a ampliação da rede direta.
A demanda por vagas a crianças de 0 a 3 anos na cidade de São Paulo é uma questão que há muito desafia a busca por soluções que visem a garantia de direitos da primeira infância. Em 2013, a Prefeitura de São Paulo, vem sendo obrigada a ampliar o número de vagas nas creches. Resultado de Ação Civil Pública movida por organizações sociais e de determinação do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que obrigou o executivo
municipal ficou obrigado a criar 150 novas vagas até o ano de 2016, sendo, no mínimo, 105 mil delas em creches (crianças de 0 a 3 anos).
Segundo dados da própria Secretaria Municipal de Educação (SME) a oferta de novas vagas vem buscando, ao longo dos últimos anos, equilíbrio em relação à demanda. E em dezembro último 2020, a Secretaria Municipal de Educação informou, por meio de release publicado em seu site, que zerou as filas por vagas em creches na cidade de São Paulo, tendo, na ocasião apenas 540 crianças de 0 a 3 anos identificadas como demandantes da educação infantil.
A criação de novas vagas, no entanto, vem sendo produzida majoritariamente, a partir do modelo de creches particulares conveniadas e/ou rede pública indireta, reduzindo de forma célere e continua o número de crianças atendidos pela administração direta.
Como a própria SME afirmou em release divulgado no dia 17 de dezembro de 202 “[…] assinatura de convênios ajudaram a alcançar a marca de 375,5 mil crianças
matriculadas nos últimos quatro anos”.
O primeiro refere-se “unidades que desenvolvem atividades correspondentes ao plano de trabalho específico do convênio, em imóvel da própria entidade, a ela cedido, por ela locado com recurso financeiro próprio ou com verba repassada pela Secretaria Municipal de Educação para custear as despesas com as instalações”. Já a rede pública indireta, objeto deste Projeto de Lei, são aqueles edifícios e bens móveis de propriedade da
Prefeitura, mas que estão cedidos por contrato para a entidade ou organização social (OSCIPs) conveniada.
Dos 2.165 equipamentos de Educação Infantil de atendimento a crianças de 0 a 3 anos existentes em 2020, 1471 eram conveniados, 377 eram mantidos com gestão indireta e apenas 317 eram unidades em rede direta. Isso significa dizer que 265.579 crianças estavam matriculadas em unidades das redes parceiras (indiretas e conveniadas) - 85% do total de crianças nessa etapa inicial da educação básica municipal.
O modelo de convênios prevê que a prefeitura repasse recursos a entidades privadas sem fins lucrativos para o provimento da educação infantil de 0 a 3 anos. O modelo abarca tanto as conveniadas, quando a gestão das unidades e o prédio onde funcionam os serviços são privados quanto as de gestão indireta, quando o prédio é cedido pelo município.
A opção pelo modelo de conveniamento e o repasse da gestão administrativa e pedagógica para organizações sociais privadas têm gerado preocupação entre especialistas. O modelo adotado pelas últimas gestões municipais (Haddad 2013-2016;
Dória 2017-2018; Covas 2019-atual) tem produzido de forma célere e continua, “a quantidade de convênios cresceu de maneira desproporcional e sem supervisão”, conforme destacou a doutora em Educação, Lisete Arelaro.
A falta de fiscalização dos convênios vêm sendo motivo de diversas investigações que apuram a existência de crime organizado na constituição de associações e entidades. Segundo matéria da Folha de S. Paulo “as entidades terceirizadas, que permitiram o salto no número de vagas nos últimos anos, recebem juntas R$ 170 milhões ao mês da prefeitura.” A chamada “máfia das creches” funciona a partir da indústria das ONGs de fachada, criadas especificamente para gerir unidades terceirizadas, tanto no modelo da gestão indireta quanto no modelo das conveniadas. As entidades, algumas vezes, são criadas em nome de laranjas e chegam a ser negociadas. Uma vez conveniadas, as organizações cometem irregularidades de vários tipos para realizar o desvio dos recursos em benefício de seus membros ou padrinhos políticos.
Dentre as irregularidades estão: a) simulação de compra de insumos e alimentos de fornecedores de fachada (nota fria); b) locação de imóveis superfaturados que pertencem a conhecidos (foram encontrados 119 imóveis superfaturados); c) pagamentos de propinas a funcionários públicos; d) desvio de encargos de funcionários e falsificação de guias (mais de R$ 10 milhões em desvios encargos trabalhistas); e e) aparelhamento político.
A proximidade dessas organizações sociais com alguns políticos municipais, entre os quais, vereadores da capital tem sido uma das principais linhas de investigação do Ministério Público e da Polícia Civil. O nome do vereador Ricardo Nunes (MDB),
atual vice-prefeito da cidade, foi nominado numa das representações apresentados sobre o caso. Ao lado dele também o então vereador, Rodrigo Goulart (PSD). Ambos são apontados como “muito próximos da Sobei (Sociedade Beneficente de Interlagos) - maior organização social gestora de creches da cidade, com unidades que atendem 5.000 alunos”
Após as denúncias e da descoberta de prejuízos milionários mais de cem creches foram descredenciadas. A Prefeitura também passou a exigir das organizações parceiras a inscrição no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, título de Utilidade Pública Municipal e, no mínimo, 24 meses de atividade. No entanto, a possibilidade de envolvimento de agentes políticos na máfia das creches reforçam a crítica ao modelo atual de conveniamento.
A escolha pelo modelo de conveniamento vem sendo defendida pelas últimas gestões municipais por, supostamente, representar menor custo por aluno. Mas a verdade é que a Prefeitura não tem divulgado ano a ano o curso por aluno nas escolas da rede direta, o que dificulta qualquer avaliação comparativa entre “as duas redes”. Concretamente, a falta de supervisão nos contratos realizados com organizações sociais conveniadas também impede que a sociedade civil exerça o controle social sobre os gastos que são realizados por essas entidades privadas e/ou filantrópicas.
Para além dos fatores financeiros e da predisposição deste modelo à abertura de brechas para o beneficiamento de “aliados políticos”, com contratos viciados e renovação automática de acordos, o modelo atual também gera uma série de disparidades relacionadas à qualidade da educação, resultando na existência de duas redes voltadas às crianças abaixo de 3 anos na cidade.
A primeira delas se apresenta como espaço adequado, em geral edificado para esse fim, com alimentação de qualidade, professores com formação em serviço, plano de carreira, jornadas de trabalho e salários melhores para seus funcionários.
A segunda é composta majoritariamente por unidades em espaços físicos adaptados (alguns sem condições para o atendimento), profissionais com jornadas maiores e baixos salários, sem plano de carreira e sem formação em serviço.
Em diligência realizada pelo Tribunal de Contas Municipal (TCM), em 2017 , foram apontados os principais problemas encontrados nas escolas conveniadas. Entre os quais estavam: a) a deficiência na supervisão pedagógica; b) menores salariais, formação inadequada e alta rotatividade de profissionais e professores quando comparado à rede direta; e c) falhas na infraestrutura. E, apesar de passados três anos, as falhas e deficiências ainda são motivos de preocupações por parte de mães e pais de alunos, de profissionais, cada vez mais precarizados e também de especialistas.
A precariedade dos vínculos empregatícios dos profissionais que trabalham na rede indireta também é fator de grande preocupação, na medida em que corrobora negativamente para comprometimento profissional e o desenvolvimento/acompanhamento constante das atividades pedagógicas, influindo também sobre a qualidade do atendimento. Isso sem falar no uso político de muitos desses cargos, distribuídos para arregimentar apoio eleitoral em diferentes regiões de SP.
Em novo acordo realizado com o TJSP, a Prefeitura ficou obrigada a criar 85 vagas de 2017 até o final de 2020. E o modelo de escolha do então prefeito João Dória (PSDB) seguiu sendo o de conveniamentos, sendo esse ainda, somado a novas fórmulas: a) a compra de vagas em unidades de ensino privadas - Programa Mais Creche; b) programa mais educação. A fórmula fundo público repassado a instituições privadas tem se consolidado como modelo na educação infantil municipal.
Não por acaso, o descompasso na qualidade de educação das redes conveniadas ou de gestão indireta tem prejudicado, principalmente, as populações mais pobres, que vivem nas periferias das cidades, e majoritariamente, a população negra moradora dessas regiões. Isso acontece porque são nos distritos mais vulnerabilizados onde o modelo de conveniamento e gestão indireta mais se ampliaram nos últimos quatro anos, em
função da demanda reprimida nessas regiões.
No final de 2019, os distritos de Jardim Ângela (789), São Rafael (601) e Tremembé (573) - localizados na Zona Sul, Sudoeste e Norte, respectivamente - eram os que possuíam maior demanda por vagas em creche, somando 1.963. Em dezembro de 2020, Capão Redondo, Jardim São Luís e Cidade Ademar - todos na Zona Sul da capital - eram os que tinham maior demanda por vaga em creches em números absolutos, somando
207. Além dos distritos citados, Campo Limpo, Grajaú, Pedreira, Campo Grande, Sacomã, Jabaquara, Vila Andrade (todos na Zona Sul), Sapopemba (Sudoeste), Vila Maria (Zona Norte) Ermelino Matarazzo (Zona Leste) são os que mais demandaram vagas em creche nos últimos dois anos. Todos situados nos extremos da capital ou em regiões mais empobrecidas e com menor número de equipamentos por demanda.
Conforme previsto na Constituição Federal de 1988, crianças e adolescentes devem ter prioridade absoluta (Art. 227) no que se refere a promoção de direitos, entre os quais, o
direito à Educação, cabendo ao Estado, aqui representado pelo município, provê-lo. O direito à educação para pleno desenvolvimento, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho (Art. 53), também é assegurando pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990). O direito à educação também é consolidado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei nº 9.394/1996) e nos Planos de
Educação aprovados em âmbito federal, estadual e municipal.
A educação infantil, em especial num país marcado por desigualdades de renda, de raça e de gênero e no qual 40% das residências são chefiadas por mulheres em idade produtiva. A universalização da educação infantil é, portanto, fundamental para promover o direito ao trabalho das mães - uma maneira efetiva de enfrentar a desigualdade oriunda da divisão sexual do trabalho.
Por tudo isso aqui, justifica-se a aprovação deste Projeto de Lei para que os recursos públicos sejam destinados para a rede pública, promovendo a reversão gradual do processo de terceirização do ensino que muitos prejuízos têm trazido à qualidade
da educação, em especial, da Educação Básica.
E preciso superar a desigualdade de atendimento e condições de trabalho existentes hoje, que divide a rede em duas.
Durante a diligência realizada o TCM visitou 20 unidades conveniadas e constatou que 25% não tinham espaço de refeitório adequado e mais de um terço desses prédios não
tinham janelas e sacadas na altura ideal e redes de proteção.