Frente Parlamentar promove debate para "desmistificar" a carreira pública. Segundo especialistas, apenas a elite do funcionalismo público tem direitos considerados supérfluos
Redação Publicado em 13/11/2020, às 08h49
Na última quinta-feira (12), a Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público promoveu um debate entre um economista e uma socióloga para discutir a reforma administrativa, que foi encaminhada pelo governo Bolsonaro em setembro. De acordo com a Frente, o objetivo do debate é "desmistificar" a carreira pública.
A socióloga e mestra em ciência política e em políticas públicas pela Universidade Federal Fluminense, Carolina Gagliano, críticou os argumentos que está no imaginário dos defensores da proposta do governo.
“Geralmente quando se fala da ideia de marajá ou de parasita, sempre pegam o juiz ou o desembargador como exemplo. Mas nem os juízes nem os desembargadores são a maioria do Judiciário. Na verdade, dentro do Judiciário, a maioria dos servidores são serventuários que não recebem o tal do auxílio-moradia, nem auxílio-paletó nem aqueles salários do topo do funcionalismo de carreira. Dentro do próprio poder, há diferenças importantes a serem consideradas” destaca Gagliano.
A socióloga também é assessora técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Ela reclama de “sigilo e falta de transparência” do governo federal quanto aos dados que embasaram a proposta de reforma administrativa e citou dados do Banco Mundial e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que contestam argumentos sobre o tamanho elevado do Estado e o suposto número excessivo de servidores públicos no Brasil.
Gagliano alerta para o que chama de “estratégia de pulverização” do governo ao apresentar diversas propostas com as mesmas medidas ao Congresso Nacional para tentar aprová-las. “Por exemplo, a redução de jornada com redução de salário: isso aparece na PEC 32, que é a proposta de reforma administrativa, mas também aparece no Plano Mais Brasil. Outro exemplo: a contratação de servidores temporários aparece na PEC 32, mas já apareceu, neste ano, na medida provisória 922/20.”
O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Felix Lopez Junior, afirmou que o número de 11,5 milhões de servidores públicos brasileiros é modesto em comparação com outros países em desenvolvimento. De cada 10 servidores públicos, seis são municipais, três são estaduais e apenas um é federal.
A expansão nos municípios, segundo o Ipea, está associada a demandas de políticas públicas criadas pela Constituição Federal em busca da universalização de serviços básicos, como saúde e educação. Alguns servidores estaduais, como os do Rio de Janeiro, estão sem reajuste salarial desde 2014. A maioria das categorias federais também encaram uma espécie de congelamento salarial nos últimos anos. Felix Junior afirmou que comparações do serviço público com o privado não têm levado em conta as demandas constitucionais dos órgãos públicos, nem as diferentes atribuições de alguns cargos.
“Ao olhar com mais cuidado essa composição do funcionalismo entre níveis federativos e a distribuição das remunerações, os dados não autorizam a gente a pensar que o funcionalismo tenha esse perfil remuneratório inapropriado. Muito pelo contrário, na verdade, seria interessante pensar de modo a reduzir as médias salariais precarizadas no mercado de trabalho do setor privado. Ao se adotar as métricas de remuneração do setor privado, sem considerar o brutal processo de precarização e de contenção salarial do setor privado, a gente nivela por baixo.”
O pesquisador do Ipea também avalia que a flexibilização da estabilidade no serviço público traz risco de “captura do serviço público por setores políticos”. Os debatedores alertaram que, se aprovada conforme o texto original do governo, a reforma administrativa tende a precarizar os serviços para uma população que ainda não tem as demandas devidamente atendidas.
O coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público, deputado Professor Israel Batista (PV-DF), afirmou que tais debates são fundamentais para a produção de dados confiáveis e a articulação política em torno de tema tão polêmico.
“Já produzimos 14 estudos sobre o serviço público brasileiro: falam sobre a necessidade de liberdade de expressão do servidor, sobre a estabilidade do servidor, sobre métodos para ingresso no serviço público e sobre mecanismos de avaliação de qualidade e desempenho no serviço público. Também temos uma atuação muito forte na articulação política para que a gente possa produzir decisões equilibradas que realmente tragam melhoria para o serviço público brasileiro.”
*trechos com reprodução da Agência Câmara de Notícias