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Polêmica da investigação de vida pregressa em concurso

Uma das grandes polêmicas recentes, na área de concursos públicos, diz respeito à investigação de vida pregressa de um candidato ao cargo de policial civil do Distrito Federal.

Redação
Publicado em 11/06/2014, às 16h35

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J. W. Granjeiro

O edital de alguns concursos públicos prevê que os candidatos sejam submetidos a uma fase do certame denominada “sindicância da vida pregressa e investigação social”. Nessa etapa, a entidade ou órgão realizador do concurso coleta informações sobre avida pregressa do candidato, bem como sobre sua conduta social e profissional.A finalidade é avaliar se o concorrente possui idoneidade moral para exercer o cargo em disputa.

Em regra, a investigação social é feita mediante a análise das certidões de antecedentes criminais. Alguns concursos preveem também que se forneça o nome de autoridades a serem consultadas sobre a índole do candidato. E outros editais optam por exigir a apresentação de “atestado de boa conduta social e moral”. O documento deve ser subscrito por autoridade que declare desconhecer fatos desabonadores na vida do postulante ao cargo.

Uma das grandes polêmicas recentes, na área de concursos públicos, diz respeito à investigação de vida pregressa de um candidato ao cargo de policial civil do Distrito Federal. O rapaz, aprovado em todas as fases do certame, foi reprovado precisamente na etapa de investigação social. O problema é que, em 20 de abril de 1997, quando tinha 14 anos de idade, ele participou do assassinato do índio Galdino Jesus dos Santos. Aparentemente, o fato contou contra o candidato no concurso que ele prestou este ano, 17 anos mais tarde. Todavia, graças à liminar concedida pela Justiça, a reprovação dele foi anulada. O concurseiro em questão segue no concurso, pelo menos por enquanto, já que a liminar pode ser cassada em segunda instância a qualquer momento.

A polêmica que envolve a questão decorre de aspectos jurídicos e da repercussão do crime, que chocou a sociedade brasileira na época em que aconteceu. A morte do índio Galdino foi consequência de uma ação impensada de cinco rapazes de classe média de Brasília (DF), entre eles o concurseiro que agora tenta entrar para a Polícia Civil. Ele e quatro amigos puseram fogo nas cobertas em que Galdino dormia, em uma parada de ônibus da avenida W3 Sul, uma das principais vias da cidade. O homem não resistiu à gravidade das queimaduras e morreu no hospital dias depois. Uma testemunha do crime anotou a placa do carro em que os jovens estavam e eles acabaram presos.

Do grupo que participou do crime, o único menor de idade era justamente o hoje candidato a policial civil. Dos outros quatro, um tinha 18 anos e os outros 19. Os quatros já maiores de idade foram julgados e condenados a 14 anos de reclusão, em 2001, por homicídio qualificado, situação que ocorre quando está presente uma de cinco situações agravantes do crime: I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por motivo fútil; III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; e V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime.

De acordo com o nosso Código Penal, o autor do crime só pode ser punido, na aplicação da pena, por uma dessas qualificadoras. Logo, não existe homicídio triplamente qualificado. Como o menor de 17 anos é inimputável penalmente, a ele foi aplicada a chamada “medida socioedutiva”. Trata-se, na verdade, de pena de prisão por no máximo três anos, em instituição própria para infratores que ainda não completaram 18 anos, quando ocorre a maioridade penal. Essa era a leina época do crime, e ainda é assim hoje, apesar dos clamores cada vez maiores,no país, pela redução da maioridade penal para 16 anos de idade.

Eis um dos aspectos mais controversos que o caso apresenta: aquele menor de 17 anos foi sentenciado a um ano de medida socioeducativa, cumpriu apenas quatro meses e ficou livre para seguir a vida. 17 anos mais tarde, com 34 de idade,candidato a uma vaga de policial civil no Distrito Federal, é aprovado em todas as etapas do concurso. No entanto, na hora de ter a vida pregressa investigada é reprovado, em decorrência da participação na morte do índio Galdino. A imprensa de Brasília deu destaque ao assunto, como não poderia deixar de ser, mas sempre enfatizando a barbaridade do crime e o fato de que também os outros quatro implicados, embora condenados a 14 anos de cadeia, conseguiram a liberdade em 2004. Um deles, aliás, também prestou concurso público e hoje é servidor do Detran.

Eis a questão: está certa ou errada a banca examinadora ao reprovar o candidato que praticou um crime quando ainda não havia alcançado a maioridade penal? Para o juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública que concedeu a liminar ao candidato, a banca violou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segundo a decisão, “a presunção de irrecuperabilidade de quem já cometeu delito penal jogaria por terra toda a política criminal da reabilitação e reintegração do delinquente aseu meio social”. Seria, digo eu, como a instituição de uma pena perpétua, que não existe no Direito brasileiro; ou uma dupla punição para um delito, também não aceita pelas nossas leis, na medida em que ninguém pode ser condenado duas vezes pelo mesmo crime.

Para alcançar o deferimento da medida liminar, a defesa do candidato alegou que a eliminação do concurso por causa do “ato infracional análogo ao crime de homicídio”, cometido aos 17 anos, constitui ilegalidade, pois o fato está legalmente excluído da vida do seu cliente. Com efeito, com amparo no ECA, ao completar 18 anos de idade, a ficha penal do rapaz ficou completamente limpa, como se uma nova vida tivesse começado para ele naquele momento. O próprio advogado comentou, ao falar à imprensa, que “não podemos pedir que a sociedade esqueça o que ele fez, mas o perdão a lei dá”. 

Apesar do clamor público que o crime suscitou, hoje há quem considere injusto julgar uma pessoa apenas pelo seu passado, como foi o caso desse concurseiro envolvido na morte de Galdino. Sempre lembrando que não existe pena perpétua no nosso Direito. Essa corrente considera que o rapaz só poderia ser excluído do concurso se uma nova avaliação demonstrasse sua inaptidão para a função de policial civil, o que não ocorreu. Porém, existe posição divergente, daqueles para quem é inadmissível que um dos autores de um crime cruel, como o que vitimou Galdino, seja investido no cargo de agente de polícia, com atribuição de investigar e prender outras pessoas. Para esses especialistas, ainda que se reconheça que o Estatuto da Criança e do Adolescente apaga o delito cometido quando o autor era menor de 18 anos, diante das responsabilidades da função em comento, a análise da vida pregressa e da idoneidade moral do indivíduo é fundamental.

A par dessas duas visões, caros concurseiros, vale a pena conhecer também o entendimento das instâncias superiores da Justiça sobre outro aspecto polêmico dessa questão. Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a exigência de investigação da vida pregressa e de avaliação da conduta social para aprovação final de candidato a concurso público é legal. Segundo essa visão, as duas situações estão relacionadas e a investigação da vida pregressa não se limita às infrações penais eventualmente cometidas no passado, mas tem de levar em consideração a conduta moral e social do candidato, quando se trata da carreira policial.

A despeito disso, a Primeira Turma do STJ anulou ato em que a Gerência de Inteligência Prisional de Mato Grosso considerava um candidato “não recomendado” para o exercício do cargo de agente penitenciário. De acordo com o relatório de investigação social que embasou o ato, o candidato tinha processo criminal instaurado contra ele e teria prestado declaração falsa no questionário de informações pessoais. Os ministros da Turma, no entanto, concluíram que não houve declaração falsa. Assim, aplicaram a jurisprudência da Corte, que não admite a eliminação de candidato na fase de investigação social de concurso público em razão da mera existência de inquérito policial ou ação penal contra ele.

A maioria das leis regentes das carreiras prevê que um dos requisitos para que qualquer pessoa tome posse em cargo público é a idoneidade moral. Uma vez provada a ausência dessa condição, é juridicamente possível a eliminação do candidato. Outro fundamento que pode ser invocado para justificar tal medida é o princípio constitucional da moralidade, previsto no artigo 37 da CF/1988.

Vale ressaltar, contudo, que a investigação social não pode ter caráter classificatório, ou seja, não deve interferir na pontuação dos candidatos. A jurisprudência entende, portanto, que o candidato indiciado em inquérito policial ou condenado em sentença penal – sem trânsito em julgado – não pode ser eliminado de concurso público com base nessas circunstâncias. Todavia, recentemente,o STJ criou um precedente segundo o qual, em caso de cargos públicos de “maior envergadura”, cujos ocupantes agem strictosensu em nome do Estado, é possível a eliminação do candidato que responde a processo penal acusado de crimes graves, mesmo que ainda não tenha havido trânsito em julgado. Segundo o ministro Ari Pargendler, o “acesso ao cargo de delegado de polícia de alguém que responde ação penal pela prática dos crimes deformação de quadrilha e de corrupção ativa compromete uma das mais importantes instituições do Estado, e não pode ser tolerado” (STJ. 1ª Turma. RMS 43.172/MT,rel. min. Ari Pargendler, julgado em 12/11/2013).

A polêmica que envolve a entrada para a Polícia Civil do DF de um dos envolvidos na morte do índio Galdino ainda não teve a palavra final do Judiciário. E, a julgar pelas frequentes modulações das decisões judiciais, o tema ainda está longe de ser pacificado na Justiça. Contudo, se há uma certeza, é a de que o assunto é de suma importância para quem se prepara para concurso público. Todos os concurseiros, sobretudo aqueles que desejam se tornar policiais, devem acompanhá-lo e estudá-lo com profundidade, já que podem se defrontar com ele nos próximos concursos. Aqueles que souberem responder à questão com conhecimento de causa estarão mais preparados e aptos para ocupar o seu feliz cargo novo!

J. W. Granjeiro é diretor-presidente do Gran Cursos e coordenador do Movimento pela Moralização  dos Concursos (MMC): www.professorgranjeiro.com, www.twitter.com/jwgranjeiro e http://facebook.com/professorgranjeiro.

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