Muita gente acaba indo prestar concurso público por ter constatado a inadequação na carreira escolhida. Seja a principal razão de origem financeira ou mesmo fruto da decepção com a rotina diária. No entanto, o concurso público também é uma aspiração de muitos estudantes de direito, contabilidade e economia. Os altos salários praticados pelo judiciário e por órgãos como INSS, Banco Central e Receita Federal movem os sonhos de gente que nem mesmo está apta a prestar concursos ainda.
Portanto, a carreira pública alimenta uma certa ambiguidade com relação ao famigerado sonho de ingressar no serviço público; e ambiguidades são matéria-prima em muitos filmes que abordam a questão da vocação. Afinal de contas, descobrir o que quer ser quando crescer, e mesmo depois de crescido, é uma das grandes – e por vezes incoerente – equações da vida.
O grande sucesso do cinema nacional no momento aborda o tema de maneira muito sensível, introspectiva e otimista. “O palhaço”, que já levou mais de 1 milhão de espectadores aos cinemas, marca a segunda incursão de Selton Mello na direção. Ele também atua no filme e vive o protagonista Benjamin. O rapaz, já homem feito, peregrina pelo interior de Minas Gerais com o pai (vivido pelo ator Paulo José) e a trupe do circo Esperança – o qual administra. Benjamin é um palhaço. Mas não vê graça na vida. Pelo menos na vida que leva. É a partir desta construção dramática que “O palhaço” tira a sua graça. O filme nos apresenta a intimidade de Benjamin, que no picadeiro atende pelo nome de Pangaré, e nos permite o vislumbre de um estado de depressão com a carreira escolhida. “O palhaço” logo se emancipa como um filme sobre aceitação das qualidades que se tem.O tipo de mensagem cara ao cinema, mas que muitas vezes surge capenga ou piegas. Não é estragar nenhuma surpresa contar que Benjamin descobrirá em Pangaré a essência de sua própria existência. Uma frase, proclamada mais de uma vez durante o filme, explicita bem isso para a audiência: “o gato bebe leite, o rato come queijo e eu sou palhaço”. É essa simplicidade na exposição das ideias que se pode esperar do cativante filme de Selton Mello.
Outro filme que estipula o mesmo comentário, ainda que sobre outras variantes, é “Billy Elliot”. A fita inglesa acompanha um menino que se descobre um bailarino talentoso. O pai, um minerador, não vê com bons olhos a vocação recém descoberta do filho. O que “Billy Elliot” convenciona – e é difícil desagregar mensagens de tolerância dessa elaboração – é que existem metas que devemos perseguir e outras que devemos ter a serenidade de aceitar remediadas. É aí que o denominador comum com “O palhaço” se estabelece.
Ambos os filmes cercam o aspecto vocacional de práticas geralmente desdenhadas em um escala social mais abrangente. Ainda que pelo viés da arte, o que esses dois filmes sublinham é que vocação não é algo para se descobrir a fórceps. É um sentimento que pode vir ao acaso, na infância, durante uma crise criativa, uma agonizante crise existencial ou, por que não, durante a preparação para um concurso público.
Serviço:O palhaçoAno de produção: 2011País: BrasilDireção: Selton MelloEm cartaz nos cinemasBilly ElliotAno de produção: 2000País: InglaterraDireção: Stephen DaldryDisponível em DVDAo leitor: Como o leitor já deve ter percebido, a coluna CineClube JC teve sua periodicidade alterada. Ela passa a ser publicada mensalmente, ainda dentro do esquema de rodízio com a coluna “A vida em parágrafos”.Por Reinaldo Matheus Glioche
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