Projeto de lei previa reserva de 60% das vagas em delegacias da mulher preenchidas por pessoas do sexo feminino. Governador alega que ação criaria aumento de gastos
Fernando Cezar Alves | fernando@jcconcursos.com.br
Publicado em 29/07/2021, às 09h18 - Atualizado às 14h12
O governador João Doria divulgou, nesta quinta-feira, 29 de julho, veto total ao projeto de lei 826/2017, do deputado Afonso Lobato (PV), que trata da lotação mínima de servidoras em atividade nas delegacias da mulher. A proposta previa a realização de concursos específicos para atuar em delegacias da mulher com reserva de 60% das vagas para mulheres. A proposta foi aprovada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em 16 de junho.
Segundo o parecer do governador, a proposta fere a independência dos poderes, por se tratar de iniciativa parlamentar, tendo em vista que tal mudança, do ponto de vista da administração, deveria se tratar de iniciativa do poder Executivo. Além disso, alega que a realização de concursos públicos específicos para mulheres para preenchimento das vagas causaria aumento de gastos aos cofres públicos. Também ressalta que a proposta não conta com estimativa de impacto orçamentário.
O texto do projeto de lei vetado diz o seguinte:
Parágrafo único – O prazo previsto neste artigo inicia-se na data de publicação desta lei.
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A maior crítica que é dirigida ao modo como são acolhidas as mulheres vítimas de violência nas delegacias paulistas é o constrangimento de serem atendidas por homens que, muitas vezes, estão despreparados para esse atendimento. Uma forma de atenuar esse problema foi a criação das Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher pela Lei nº 5.467/86.
Entretanto, ainda persiste o acolhimento constrangedor e a crítica - infelizmente – permanece atual e pertinente.
A presente proposição objetiva garantir que as mulheres sejam atendidas preferencialmente por mulheres ao recorrerem às Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher e possam ser acolhidas de modo mais humano
Por fim, coloco esta propositura para apreciação dos nobres pares, contando com a sensibilidade para a aprovação.
Sala das Sessões, em 31/8/2017
VETO TOTAL AO PROJETO DE LEI Nº 826, DE 2017
São Paulo,28 de julho de 2021
A-nº 087/2021
Senhor Presidente
Tenho a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência, para os devidos fins, nos termos do artigo 28, § 1º, combinado com o artigo 47, inciso IV, da Constituição do Estado, as razões de veto total ao Projeto de lei nº 826, de 2017, aprovado por essa nobre Assembleia, conforme Autógrafo nº 33.057.
De iniciativa parlamentar, a propositura busca determinar que o quadro de servidores públicos estaduais lotados nas Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher tenha, no mínimo, 60% (sessenta por cento) dos cargos ocupados por mulheres (artigo 1º).
Para atingir seu escopo, autoriza o Poder Executivo a realizar concurso público específico para lotação de mulheres nos cargos das referidas Delegacias de Polícia e fixa prazo de 2 (dois) anos para a adequação do quadro de servidores nelas lotados, que estejam em desacordo com a propositura (artigos 2º e 3º).
Nada obstante os elevados propósitos do Legislador, realçados na justificativa que acompanha a proposta, vejo-me compelido a negar sanção à medida, pelas razões que passo a expor.
Inicialmente, verifico que a proposta legislativa em apreço, ao pretender disciplinar a distribuição quantitativa, por gênero, de servidores públicos estaduais nas Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher e determinar a reorganização do quadro de pessoal da Secretaria de Segurança Pública, versa sobre matéria peculiar à organização administrativa, interferindo em domínio exclusivo do Chefe do Poder Executivo.
As regras previstas nos artigos 61, § 1º, inciso II, alínea “e”, e 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal, refletidas nos artigos 24, § 2º, item “2”, e 47, incisos II, XIV e XIX, alínea “a”, da Constituição do Estado, originadas do postulado básico que norteia a divisão funcional do Poder, atribuem ao Governador competência exclusiva para dispor sobre matéria de cunho administrativo; exercer a direção superior da administração
estadual; praticar os demais atos de administração; disciplinar, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração estadual; bem como deflagrar o processo legislativo, quando a edição de lei for necessária para concretizar a medida.
Considerando que a propositura trata de aspectos que devem ser avaliados segundo critérios próprios de planejamento deferidos constitucionalmente ao Poder Executivo, no exercício precípuo da função de administrar, desrespeita, ainda, as limitações decorrentes do princípio da separação dos Poderes (artigo 2º da Constituição Federal e artigo 5º, “caput”, da Constituição Estadual).
Esta orientação vem sendo reiteradamente adotada pelo Supremo Tribunal Federal como, por exemplo, nas ADIs nºs 1.391, 2.646, 2.417 e 1.144 e AREs nºs 784.594 e 761.857. É de se notar, ainda, que, ao prever a necessidade de adequação do quadro de servidores públicos lotados nas Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher ao disposto no seu artigo 1º, através da realização de concurso público específico para a lotação de mulheres nessas Unidades Policiais (artigo 2º) ou da reorganização dos respectivos quadros (artigo 3º), a proposição amplia gastos governamentais, sem, contudo, fazer-
-se acompanhar da avaliação das repercussões econômicas e da identificação dos recursos para seu custeio, conforme determina o artigo 25 da Constituição do Estado.
De fato, sob tal aspecto, o projeto não se harmoniza com o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República e com o artigo 16, inciso I, da Lei Complementar federal nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), pois não se fez acompanhar da estimativa de impacto orçamentário-financeiro decorrente da medida.
A respeito do tema, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de que o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República “tem caráter nacional e irradia obrigações a todos os entes federativos” e, também, no sentido de que “a ausência de prévia instrução da proposta legislativa com a estimativa do impacto financeiro e orçamentário, nos termos do art. 113 do ADCT, aplicável a todos os entes federativos, implica inconstitucionalidade formal” (ADI n.º 6.102).
Vale acrescentar, ademais, que o artigo 8º, inciso II, da Lei Complementar federal n.º 173, de 27 de maio de 2020, veda, até 31 de dezembro de 2021, “criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa”, sendo que o projeto de lei em exame não apresenta o teor restritivo que poderia dar ensejo à aplicação da exceção do § 1º do artigo 8º do referido diploma legal federal.
Por fim, destaco que a natureza autorizativa do artigo 2º do projeto não afasta as máculas apontadas. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de decidir que o caráter meramente autorizativo não tem o condão de elidir o vício de inconstitucionalidade (ADI nº 1.136, ADI nº 2.867 e ADI nº 3.176).
Fundamentado nestes termos o veto total que oponho ao Projeto de lei nº 826, de 2017, e fazendo-o publicar no Diário Oficial em obediência ao disposto no § 3º do artigo 28 da
Constituição do Estado, restituo o assunto ao oportuno reexame dessa ilustre Assembleia.
Reitero a Vossa Excelência os protestos de minha alta
consideração.
João Doria
GOVERNADOR DO ESTADO
Sua Excelência o Senhor Deputado Carlão Pignatari, Presidente da Assembleia Legislativa do Estado.
Publicada na Subsecretaria de Gestão Legislativa da Casa Civil, em 28 de julho de 2021.
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