Em 15 anos no exercício da profissão de advogado especialista em concursos públicos, Sérgio Camargo acompanhou diversas histórias de candidatos que enfrentaram problemas na posse em carreiras públicas. Há oito anos, o profissional transmite a experiência que acumulou como professor. E nesta entrevista ao Jornal dos Concursos & Empregos, Camargo sinaliza as posições que você que batalha pela carreira pública deve tomar se seus direitos forem violados. Acompanhe.
Jornal dos Concursos & Empregos - Por que ainda hoje, praticamente 22 anos depois do lançamento dos primeiros concursos públicos, direitos dos concursandos são desobedecidos?Sérgio Camargo - O processo de democratização do Brasil ainda não se consolidou. Em 512 anos de cultura nós temos, a grosso modo, 490 de um sistema unitário, de ditaduras. Os concursandos estão no completo desamparo do legislador.
Para melhorar a questão da acessibilidade pública no sistema constitucional poderia existir o que eu chamo de “Estatuto do Concurso Público”, pois sem uma regra geral da União Federal, Estados, municípios e Distrito Federal têm liberdade plena para normatizar sob o princípio criado da acessibilidade pública. Na medida da omissão da lei, o administrador público se utiliza de um poder discricionário, que é uma certa margem de liberdade que o agente público tem para agir dentro de um parâmetro que ele, subjetivamente, identifica como conveniente.
No entanto, o processo democrático se consolida aos poucos; as pessoas questionam mais as regras estabelecidas no edital, e o Poder Judiciário tem sido o grande controlador da acessibilidade.
JC&E - Sem uma lei específica, em que bases o candidato pode se firmar para ir atrás dos direitos?SC - Por um princípio norte-americano chamado “Checks and Balances”, em outras palavras “Freios e Contrapesos”, o constituinte vai dizer o momento em que o Legislativo controla o Executivo, o Executivo controla o Judiciário e o Judiciário controla o Legislativo, para tentar evitar o surgimento de um poder absoluto, e criar um balanceamento dentro dessa estrutura de poder.
A integração do sistema jurídico, por analogia e comparação, permite ao Poder Judiciário a contenção dessa discricionariedade, porque não existe discricionariedade plena e absoluta. Em outras palavras, o poder discricionário é uma ferramenta administrativa contida na própria lei, e o Poder Judiciário é o grande controlador externo da legalidade, tutelando os conflitos de interesses entre as pessoas da República.
JC&E - Partindo de um exemplo real, Dr. Sérgio, como os candidatos podem fazer cumprir a divulgação da lista de aprovados pelas bancas?SC - Ainda que não haja a lei do concurso público, existem os princípios da moralidade administrativa e da publicidade, que é o principio da dignidade da pessoa humana ter conhecimento dos atos e ações do poder público, quer seja um procedimento legislatório ou a aquisição de recurso humano.
Banca organizadora que não divulga a lista de aprovados, que não abre prazo razoável para recursos, viola o principio da publicidade, e não está sendo pública nem transparente. Cabe sim, ao candidato, questionar administrativa e judicialmente o dever das organizadoras anuírem ao princípio da publicidade e divulgarem, de forma transparente, todas as etapas do concurso público.
JC&E - Pode-se questionar, na Justiça, inclusive o prazo para interpor recursos?SC - Se você observar que o prazo não é razoável, que não permite a afluência do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa, vá para a via judicial e questione ao Estado-juiz que ele arbitre um prazo razoável.
JC&E - Qual o grau de dificuldade em se obter o sucesso na recorrência administrativa ou judicial?SC - A minha experiência em 15 anos de advogado de concurso, infelizmente, mostra que não tivemos muitos êxitos quando se trata de recurso perante a banca.
Então, o candidato tem de se informar; ter cautela com a advocacia generalista; entender que o direito dele, bom ou não, é um só; compreender que não existe procedimento de concurso que não possa sofrer o controle externo do Poder Judiciário, que não possa ser anulado na via judicial, e tem de perceber que, por mais ortodoxo que o tribunal seja, o STJ tem estado bastante atento e tem afastado diversas arbitrariedades dos concursos pelo país afora.
JC&E - Ultimamente, muitos concursos têm sido lançados apenas para a formação de cadastro reserva, como é o caso do Banco do Brasil. Qual é a opinião do senhor a respeito?SC - O cadastro reserva foi uma reação das administrações públicas e das bancas à consolidada decisão do STJ, que se perfez em 2006, de que o candidato teria o direito personalíssimo de subjetiva nomeação e posse desde que aprovado dentro do número de vagas estabelecido em edital.
A partir dessa postura, o Judiciário reage novamente, dizendo que não se pode fazer concurso e não chamar ninguém.
A minha opinião pessoal é a de que o cadastro reserva tornou-se a fórmula nova de se burlar o concurso público. O entendimento que defendo, a partir do princípio maior constitucional da dignidade da pessoa humana, é o de que o direito dos candidatos se refere às vacâncias da carreira, pois existe a possibilidade de se pagar os cargos previstos e que não estão providos por uma questão de defesa orçamentária do gestor público, que obviamente não pode prevalecer diante da dignidade da pessoa humana.
Tire suas dúvidas sobre ingressoCandidatos com nome sujo podem prestar concurso? Tem certas coisas que aprendemos no primeiro dia da faculdade de direito: primeiro - o acessório segue o principal; segundo - em desapropriação só se discute dinheiro; terceiro - presunção de inocência só é feita com uma sentença criminal transitada em julgado que não penda mais recurso. Se pende recurso, se é processo disciplinar, inquérito policial, sindicância, nome no SPC, nome no Serasa, nome na lista negra do prefeito não interessa. Isso não pode evitar a acessibilidade pública. Infelizmente, não obstante a posição do Supremo Tribunal Federal, algumas administrações mantêm essa arbitrária e equivocada postura, demandando ao candidato que vá à via judicial.
Servidores aposentados podem prestar seleções públicas? A natureza jurídica da aposentação é uma presunção relativa da incapacidade laboral do servidor. Traz até uma presunção absoluta, porque a aposentadoria compulsória aos 70 anos parte da premissa de que o servidor não tem mais condições de continuar laborando.
Se ele não tiver 70 anos, quer se aposente no município ou numa administração indireta como a Petrobras, para ascender a um novo cargo, emprego ou função pública, necessariamente, vai ter de pedir desligamento ou exoneração da carreira pretérita.
O artigo 37, inciso 16, estabeleceu que os cargos, empregos e funções públicas remunerados são inacumuláveis, exceto três alíneas: a - dois cargos de professor; b - um cargo técnico e um de professor; c - dois cargos da área de saúde.
A íntegra da entrevista pode ser conferida na Área VIP JC. Para assistir aos vídeos, acesse www.jcconcursos.com.br/vip e escolha as opções ‘vídeos’ e ‘entrevistas’. Pâmela Lee Hamer
Siga o JC Concursos no Google News