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Você faz de propósito?

Artigo sobre Marketing, mercado e trabalho

Kate Domingos
Publicado em 12/08/2016, às 10h38

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Desde a infância, quando alguém nos pergunta “Você fez de propósito?”, significa que estamos encrencados. Embora muitas peripécias infantis mereçam repreensão, essa forma como inicialmente encaramos o “fazer de propósito” é totalmente equivocada. Curioso é ver que, na vida adulta, fazer de propósito acabe se tornando o único caminho possível para uma boa vida, sobretudo quando falamos da vida profissional. O propósito é o que nos move, é a razão pela qual fazemos algo. Se não há razão, por que fazer? Fazer um trabalho sem propósito é como deixar essa pergunta sem retorno, ou pior, dar a ela a mais inútil resposta: “porque sim”. Ainda que fôssemos crianças, esse desfecho não nos satisfaria.
Há muitos motivos possíveis para realizar um trabalho. Mas todos eles orbitam em torno de uma só questão: faço porque quero ou apenas porque preciso? Chegar à conclusão de que desempenha um trabalho exclusivamente pela subsistência não deixa de ser um motivo, contudo não é o melhor deles e representa também um alerta.  Se o trabalho está limitado a trazer subsistência, ele trará também inúmeros conflitos internos, pois somos seres que precisam reconhecer-se naquilo que fazem. Para Hegel, só podemos nos tornar concretos e palpáveis, nos mostrar aos outros e a nós mesmos através de nossa obra, de nosso trabalho. O trabalho nos traduz de forma que possamos nos compreender, ver e tocar. Daí a ideia contemporânea de que uma pessoa deve ser julgada não pelo que diz ou imagina ser, mas por suas ações, pelo que faz e constrói. Portanto o maior propósito humano para o trabalho é o legado. Quando desempenha um trabalho que gera legado, o indivíduo se reconhece como valoroso, capaz e único, sua motivação para o trabalho se torna tamanha que passa a moldar sua identidade, aquilo que ele faz também o faz, ou seja, se ele precisar, por algum infortúnio, deixar sua atividade, ele se sentirá desfeito. 
Entretanto, embora os colaboradores e empreendedores de nosso atual mercado de trabalho venham entendendo isso, vivemos uma grande crise de propósito no meio profissional. O que é contraditório sobretudo se pensarmos que a atual geração ingressou nesse mercado ouvindo a máxima: “É preciso fazer o que se gosta”. Talvez esse tenha sido grande parte do problema. Embora haja alguma verdade nessa expressão, ela traz uma compreensão errada da ideia de trabalho. Trabalhar, construir uma obra e um legado exige dedicação, resiliência e, muitas vezes, fazer também o que não se gosta, afinal toda e qualquer escolha profissional traz em si algumas atividades desconfortáveis. Um escritor não é mais uma noite de autógrafos do que várias noites em claro de pesquisa e páginas deletadas; um médico não é mais o heroísmo de salvar vidas do que os anos de estudo e renúncia que vieram antes do jaleco, um diretor de Hollywood não é mais o glamour do cinema do que a pressão dos críticos e a exaustão de dar forma a um longa-metragem.
A geração atual vive essa crise de propósito no trabalho sobretudo porque possui duas características que atrapalham a busca pelo legado: hedonismo e imediatismo. O hedonismo é, em grande parte, fruto da educação recebida, da necessidade do pai em poupar o filho: “Ele não passará pelo que eu passei”. Dessa forma, como sabiamente alerta Mario Sergio Cortella, muitos passaram de poupados a privados em relação àquilo que lhes faria fortes. Afinal o grande problema de vivermos as facilidades é que não vivemos as dificuldades. Já o imediatismo vem como característica da sociedade digital. A internet nos fez dependentes por velocidade, e quem poderia nos culpar? Se até nossas conversas são instantâneas. O hedonismo e o imediatismo infelizmente não são bons aliados na busca pelo legado, o mais significativo propósito até hoje encontrado para o trabalho. E é fácil perceber por que: construir um legado exige tempo, dedicação e fazer também o que não se gosta. Lembrar a famosa história do grande pianista Arthur Moreira Lima nos ajuda a compreender essa questão. Ao término de uma apresentação, um jovem fã se aproximou e disse: “Adorei o concerto, daria a vida para tocar piano como você”. Ele respondeu: “Eu dei”.
Por que desempenho esse trabalho? Ainda que sua atual atividade profissional não tenha sido uma decisão, mas fruto de uma conjuntura ou de uma escolha que até foi sua, mas ocorreu há muito tempo, quando lhe faltava maturidade, ter uma resposta satisfatória para essa pergunta certamente fará diferença enquanto construímos nosso legado. É verdade que na infância fantasiamos muito sobre o futuro profissional, mas mesmo tão jovens, já temos em nosso ideário a vontade de “ser alguém”, ou seja, de construir um legado. Não faria sentido perdermos de vista esse propósito justamente quando ingressamos no mercado de trabalho, afinal “fazer de propósito” é a chave para um sucesso não só externo, mas interno e perene.

Kate Domingos é publicitária pela USP, docente e consultora em Marketing e Comunicação. Contato: kate@concrie.com
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