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Prefira permanecer ignorante.

Artigo sobre marketing, mercado e trabalho

Kate Domingos
Publicado em 23/08/2016, às 10h55

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Nosso atual mercado de trabalho está repleto de pseudo experts arrogantes. Sejam moleques mandados direto de seus berços de ouro para Harvard ou cinquentões que se consideram papas porque já trabalharam algumas décadas na mesma coisa. Como muitos deles estão em cargos de decisão em grandes corporações, decisões que afetam profundamente o mundo, sua segurança, ética e educação, torna-se lastimável ver sua falta de consciência em relação a um conceito que nasceu muito antes deles e deveria ser seu Norte: a ignorância. Nossa ignorância é infinita, e quando perdemos essa verdade de vista, estamos fadados a jamais evoluir. 
A consciência de nossa própria ignorância tem um preço, como tudo de valor na vida, deve ser buscada a cada dia, com paciência e obstinação. Para alguns seres, o ego é o grande obstáculo a obtê-la, mas alcançá-la é naturalmente difícil para todos nós devido a nossa essência crente e passiva. Isso mesmo! Admitir nossa limitação será um bom começo. Para nós é muito mais natural acreditar do que duvidar, fazer tudo como sempre fizemos do que buscar maneiras diversas. Nossa tendência é crer que as coisas de fato são como elas de início nos parecem ser. Ficamos com a primeira impressão, porque já a dominamos e porque duvidar dá trabalho. Como nos alerta Mark Twain, “É mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que elas foram enganadas”.
O valor da ignorância é extraordinário e já foi compreendido há muito, por personalidades que conhecemos e até idolatramos mas sobre as quais pouco buscamos saber, como Einstein, Sócrates e Platão. O senso comum do pensamento contemporâneo se mostra inócuo ao ver “conhecimento” e “ignorância” como campos contraditórios, como grandezas inversamente proporcionais. Quanto mais conhecimento obtemos, menos ignorantes ficamos, certo? Na verdade, não. Há, entre conhecimento e ignorância, uma relação diretamente proporcional que Einstein procurou elucidar através de uma concepção chamada “Círculo do Conhecimento”; segundo a qual quanto mais cresce nosso conhecimento, mais cresce nossa consciência sobre o quanto ainda existe para conhecer, ou seja, nossa consciência sobre o quanto somos ignorantes. Parafraseando nosso modesto gênio, “quanto mais cresce nosso círculo de conhecimento, mais cresce, proporcionalmente, nossa circunferência e experiência com a ignorância”.
Modesto sim, pois para preferir manter-se ignorante, ou seja, manter-se na posição de eterno aprendiz, é preciso algo que vemos pouco em nosso atual mercado de trabalho: manter o ego em seu lugar. Einstein, talvez o maior gênio que a atual história humana já presenciou, praticava e disseminava essa ideia: “Quanto maior o conhecimento, menor o ego”. É como se admitir sua ignorância motivasse o ser a buscar desesperadamente conhecimento e a entender, conforme adquire conhecimentos, que há muito mais a obter, muito mais do que ele pode comportar. O conhecimento é infinito, mas nossa capacidade e tempo para dominá-lo é, naturalmente, finita. Para alguém que compreende sua pequena e impotente condição faria sentido demonstrar arrogância?
Sócrates, o autor da frase mais famosa da Filosofia, “Só sei que nada sei”, também parecia entender muito bem o valor da modéstia e de se manter “ignorante”. A ignorância era, para ele, o que deveria ser hoje para nós: o mais valioso terreno, único sobre o qual podemos construir um conhecimento autêntico. Mas como buscamos, na prática, esse conhecimento autêntico? Como nos libertamos de nosso pseudoconhecimento? Antes de tudo, precisamos nos esvaziar de nós mesmos, afinal, quem está cheio de si não tem como receber mais nada. Não há lugar para a crítica, para a dúvida, para acumular conhecimento real e útil. Toda a crítica é construtiva, se você derruba, a partir dela, alguma velha crença que guardava e a deixa ajudá-lo a se (re)construir. Duvidar também é fundamental, como podemos desenvolver maneiras mais eficazes e eficientes de fazer algo se alimentamos uma certeza de que os anos de experiência que temos numa atividade já foram suficientes para desenvolvê-la ao máximo? Buscar de fato o conhecimento é, como fazia Sócrates, questionar os supostos sábios sem se considerar sábio, manter-se despretensioso. Pois a partir do momento que saímos dessa posição despretensiosa, somos surpreendidos pela vaidade de acreditar que já conquistamos bastante, e pior, que tudo o que já conquistamos é irrefutável. 
Mark Twain, que nos ajudou a iniciar essa reflexão, tem outra brilhante máxima sobre o assunto: “Nunca discuta com um ignorante. Ele te rebaixará até o nível dele e te vencerá por experiência”, mas só agora compreendo exatamente o que ele quis dizer. Debater com alguém que não tem consciência de sua ignorância pode ser inútil, pois um indivíduo assim tem tanta certeza de que seu pseudoconhecimento é real que estará míope e irredutível a qualquer argumento que ponha em xeque sua limitada visão. Afinal, ninguém busca aquilo que acredita já possuir, não é mesmo? Trabalhe para que uma discussão com você sempre valha a pena!
Kate Domingos é publicitária pela USP, docente e consultora em Marketing e Comunicação. Contato: kate@concrie.com
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