08.
Da utilidade dos animais
1 Terceiro dia de aula. A professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram animais de todos os feitios. “É preciso querer bem a eles”, diz a professora, com um sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a. “Eles têm direito à vida, como nós, além disso são muito úteis. Quem não sabe que o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas4 não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca... Todos ajudam.” — Aquele cabeludo ali, professora, também ajuda? — Aquele? É o iaque, um boi da Ásia Central. Aquele serve de montaria e de burro de carga. Do pêlo se fazem perucas7 bacaninhas. E a carne, dizem que é gostosa. — Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele? — Bem, primeiro serve para uma coisa, depois para outra. Vamos adiante. Este é o texugo. Se vocês quiserem pintar a10 parede do quarto, escolham pincel de texugo. Parece que é ótimo. — Ele faz pincel, professora? — Quem, o texugo? Não, só fornece o pêlo. Para pincel de barba também, que o Arturzinho vai usar quando crescer.13 Arturzinho afirmou que pretende usar barbeador elétrico. Além do mais, não gostaria de pelar o texugo, uma vez que devemos gostar dele, mas a professora já explicava a utilidade do canguru: — Bolsas, malas, maletas, tudo isso o couro do canguru dá pra gente. Não falando na carne. Canguru é utilíssimo.16 — Vivo, fessora? — A vicunha, que vocês estão vendo aí, produz... produz é maneira de dizer, ela fornece, ou por outra, com o pêlo dela nós preparamos ponchos, mantas, cobertores etc.19 — Depois a gente come a vicunha, né, fessora? — Daniel, não é preciso comer todos os animais. Basta retirar a lã da vicunha, que torna a crescer... — E a gente torna a cortar? Ela não tem sossego, tadinha.22 — Vejam agora como a zebra é camarada. Trabalha no circo, e seu couro listrado serve para forro de cadeira, de almofada e para tapete. Também se aproveita a carne, sabem? — A carne também é listrada? — pergunta que desencadeia riso geral.25 — Não riam da Betty, ela é uma garota que quer saber direito as coisas. Querida, eu nunca vi carne de zebra no açougue, mas posso garantir que não é listrada. Se fosse, não deixaria de ser comestível por causa disto. Ah, o pingüim? Este vocês já conhecem da praia do Leblon, onde costuma aparecer, trazido pela correnteza. Pensam que só serve para brincar? Estão28 enganados. Vocês devem respeitar o bichinho. O excremento — não sabem o que é? O cocô do pingüim é um adubo maravilhoso: guano, rico em nitrato. O óleo feito com a gordura do pingüim... — A senhora disse que a gente deve respeitar. — Claro. Mas o óleo é bom.31 — Do javali, professora, duvido que a gente lucre alguma coisa. — Pois lucra. O pêlo dá escovas de ótima qualidade. — E o castor? — Pois quando voltar a moda do chapéu para homens, o castor vai prestar muito serviço. Aliás, já presta,34 com a pele usada para agasalhos. É o que se pode chamar um bom exemplo. — Eu, hem? — Dos chifres do rinoceronte, Belá, você pode encomendar um vaso raro para o living de sua casa. Do couro da girafa,37 Luís Gabriel pode tirar um escudo de verdade, deixando os pêlos da cauda para Teresa fazer um bracelete genial. A tartarugamarinha, meu Deus, é de uma utilidade que vocês não calculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa... O biguá é engraçado.40 — Engraçado, como? Apanha peixe pra gente. — Apanha e entrega, professora? — Não é bem assim. Você bota um anel no pescoço dele, e o biguá pega o peixe mas não pode engolir. Então você tira43 o peixe da goela do biguá. — Bobo que ele é. — Não. É útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras. Por isso que eu digo: devemos46 amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum. Entendeu, Ricardo? — Entendi. A gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pêlo, o couro e os ossos. Carlos Drummond de Andrade. De notícias & não-notícias faz-se a crônica. Rio de Janeiro: Record, 1993, p. 113-5 (com adaptações).
Acerca das idéias e das estruturas do texto, julgue:A frase “Vocês devem respeitar o bichinho” (L.28) permanecerá correta se o trecho sublinhado for substituído por lhe.