Ao todo, foram contabilizadas ao menos 87 denúncias contra o juiz trabalhista Marcos Scalercio. PL quer revogar a punição de aposentadoria compulsória e aplicar a demissão
Mylena Lira Publicado em 23/05/2023, às 21h07
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu nesta terça-feira (23) aplicar a punição administrativa mais grave ao juiz trabalhista Marcos Scalercio, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), sediado em São Paulo. O magistrado está afastado de suas funções desde setembro do ano passado, após acusações de assédio sexual, importunação sexual e estupro feitas por várias mulheres. Foi imposta a aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais, por unanimidade dos membros do CNJ.
O caso veio à tona em agosto de 2022, após publicação do G1, quando as vítimas denunciaram o magistrado aos movimentos de combate ao assédio sexual contra mulheres, como o Me Too Brasil e o Projeto Justiceiras. Após a divulgação pela imprensa, o TRT-2 abriu um processo administrativo disciplinar (PAD) contra Scalercio. Ao todo, foram contabilizadas ao menos 87 denúncias contra Scalercio.
O CNJ decidiu punir o magistrado com base em três casos com apuração mais avançada, sendo um deles o assédio ocorrido dentro do próprio gabinete do juiz no TRT-2. A vítima relatou que Scalercio avançou sobre ela, encostando em suas partes íntimas e pressionando-a contra a parede. A advogada conseguiu escapar e acionou a segurança do tribunal.
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Durante a sessão, a conselheira Salise Sanchotene fez uma descrição minuciosa dos acontecimentos narrados pelas vítimas, concluindo que o magistrado teve conduta escandalosa dentro do ambiente de trabalho e praticou atos gravíssimos passíveis de punição máxima. Seu voto foi elogiado pelos demais conselheiros, que a seguiram.
O advogado de defesa de Scalercio, Leandro Raca, apontou contradições nos relatos das vítimas e argumentou que penas mais brandas haviam sido aplicadas em casos similares. Em nenhum momento, a defesa assumiu a prática dos assédios, que também sempre foram negados pelo juiz.
A presidente do CNJ, ministra Rosa Weber, lamentou que a legislação assegure vencimentos proporcionais ao tempo de serviço mesmo em casos graves como esse. Ela destacou a importância de criar um "locus de acolhimento para essas vítimas" diante dos inúmeros casos de assédio sexual no judiciário brasileiro. Além dos casos em questão, o CNJ julgou outras duas denúncias contra Scalercio. Em ambos os episódios, ele teria se vangloriado do cargo de juiz para intimidar as vítimas.
Penas aplicáveis a magistrados por ordem de gravidade:
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A aposentadoria compulsória é a pena mais grave aplicável de forma administrativa a juízes vitalícios, e o condenado continua recebendo proventos proporcionais ao tempo de serviço. Diversos outros efeitos jurídicos decorrem dessa punição, prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).
As faltas funcionais, como desídia com deveres do cargo, conduta imprópria ao decoro da função e trabalho insuficiente, sujeitam o juiz à aposentadoria compulsória. O atraso excessivo em decisões e despachos, a parcialidade e o tráfico de influência também são considerados faltas graves. Caso a ofensa não justifique a pena máxima, pode ser aplicada a disponibilidade.
Uma das diferenças entre as penas é a possibilidade de retorno à função. Na disponibilidade, o juiz pode pedir o retorno após dois anos afastado, mas é necessário o julgamento pelo tribunal. Já na aposentadoria compulsória, o magistrado é liberado para exercer qualquer função, porém deve aguardar três anos antes de advogar no juízo ou tribunal onde atuava.
A condenação pode levar à declaração de inidoneidade pela Ordem dos Advogados do Brasil, impedindo a inscrição como advogado, além de tornar o condenado inelegível por oito anos. O CNJ também encaminhará os autos do processo ao Ministério Público para possível ação penal ou por improbidade administrativa, que pode resultar na perda do cargo (demissão) e da aposentadoria.
Em nome do juiz Marcelo Scalercio, o advogado Leandro Raca apontou o que seriam contradições nos relatos das vítimas e argumentou, também, que o CNJ teria aplicado penas mais brandas em casos similares. Em nenhum momento a defesa do magistrado assumiu a prática dos assédios, que também sempre foram negados pelo juiz.
Um projeto de lei complementar em análise na Câmara dos Deputados pretende modificar a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMN) com o objetivo de acabar com a possibilidade de aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço para magistrados que cometeram faltas graves. Além disso, a proposta busca ampliar os casos em que os juízes podem ser demitidos por práticas disciplinares graves.
De acordo com a proposta, os magistrados vitalícios poderão perder seus cargos se:
Atualmente, a legislação já prevê um procedimento administrativo para a perda do cargo em casos como exercício de outra função, recebimento de percentagens ou custas indevidas nos processos sob sua responsabilidade, e exercício de atividade político-partidária. Além disso, a perda do cargo também pode ocorrer em decorrência de ação penal por crime comum ou de responsabilidade.
O autor do projeto, o deputado José Nelto (Pode-GO), critica a atual punição de aposentadoria compulsória, que permite que o magistrado, mesmo afastado do cargo, continue recebendo uma remuneração proporcional ao tempo de serviço. Ele argumenta que a recente reforma da Previdência retirou a possibilidade de aposentadoria compulsória como punição aos juízes da Constituição, tornando necessária uma modificação na norma infraconstitucional.
Diante da falta de ação legislativa do Poder Judiciário para abolir esse benefício considerado imoral, o projeto de lei busca revogar a pena disciplinar de aposentadoria compulsória e estabelecer a demissão como punição para os magistrados condenados por faltas disciplinares graves. É importante ressaltar que o projeto está em tramitação na Câmara dos Deputados e ainda precisa passar por todas as etapas do processo legislativo antes de ser aprovado e implementado como lei.
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