Wander Garcia Muitas pessoas criam pessoas jurídicas para o fim de cometer ilegalidades, fraudes e crimes. Ou, mesmo que não criem pessoas para esses fins, acabam cometendo tais ilegalidades em nome da pessoa jurídica.
Porém, essas condutas acabam não repercutindo na pessoa dos sócios e membros da pessoa jurídica. Sob o argumento de que a personalidade dos sócios e membros de uma pessoa jurídica não se confunde com a personalidade da pessoa jurídica, é comum que pessoas jurídicas totalmente sem patrimônio pratiquem atos lesivos a terceiros e estes não tenham como atingir o patrimônio dos membros da pessoa jurídica.
A saída para esses abusos é desconsiderar, momentaneamente, a existência da personalidade da pessoa jurídica, para o fim de atingir o patrimônio de seus membros, sócios e administradores.
O Código Civil traz uma regra geral sobre a desconsideração da personalidade (art. 50). Não havendo lei especial regulando a desconsideração para dado tipo de relação jurídica, aplica-se, então, esse Código.
Nosso Código adotou a Teoria Maior da Desconsideração. De acordo com essa teoria, para que a desconsideração se dê, é necessário, além da dificuldade em responsabilizar a pessoa jurídica, a presença do requisito abuso de personalidade. Esse abuso, nos termos do art. 50 do Código Civil, pode ser de duas espécies:
a) desvio de finalidade: ou seja, a utilização da pessoa jurídica para fim diverso daquele para a qual foi criada. Por exemplo, utilização de pessoa jurídica para emissão de notas frias.
b) confusão patrimonial: ou seja, situação em que os bens dos sócios das pessoas jurídicas se confundem com os bens dela.
A confusão patrimonial é típica das situações em que o sócio recebe, para si, créditos da pessoa jurídica, ou em que esta recebe para si créditos do sócio.
Existem empresas que não têm bens em nome próprio, mas somente no nome dos sócios. Isso pode prejudicar credores, que poderão pedir a desconsideração da personalidade.
A Teoria Menor da Desconsideração, não adotada pelo Código Civil, mas adotada nas relações de consumo (art. 28, § 4º, do CDC) e no direito ambiental (art. 4º da Lei 9.605/98), propugna que a desconsideração da personalidade pode se dar toda vez que a personalidade da pessoa jurídica for obstáculo ao ressarcimento do dano, não sendo necessária a demonstração de fraude ou abuso. Essa teoria tem esse nome, pois exige menos requisitos para que se dê a aplicação do instituto.
Resta saber se o Código Civil brasileiro também admite a desconsideração inversa. Nessa desconsideração, como o próprio nome diz, desconsidera-se a pessoa natural do sócio ou administrador de uma pessoa jurídica, para o fim de atingir o patrimônio da própria pessoa jurídica da qual faz parte o primeiro.
Um exemplo pode aclarar o instituto. Imagine que alguém, que deseja se separar de seu cônjuge sem ter de repartir bens em seu nome, passe-os para pessoa jurídica da qual é sócio, ficando esvaziado patrimonialmente, enquanto pessoa natural. Nesse caso, a desconsideração inversa atua para o fim de, na separação judicial, o juiz desconsiderar a autonomia da pessoa natural em relação à pessoa jurídica, determinando que os bens que pertencem à segunda sejam partilhados com o cônjuge prejudicado, como se pertencessem à pessoa natural do cônjuge que perpetrou a fraude à lei.
Apesar da desconsideração inversa não estar expressa na lei, ela vem sendo admitida, vez que essa desconsideração visa evitar justamente a mesma conduta, qual seja, o abuso da personalidade. Nesse sentido é o Enunciado 283 JDC/CJF.
O fato é que o instituto vem cada vez mais sendo aplicado nas demandas judiciais e é tema bastante perguntado em concursos públicos, devendo o candidato ficar atento a ele e se aprofundar no assunto.
Wander Garciaé professor de cursos preparatórios para concursos públicos, doutor e mestre pela PUC/SP, coordenador acadêmico da Editora FOCO e diretor acadêmico do IEDI – Cursos Online. wander.garcia@uol.com.br. Siga o JC Concursos no Google News