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Direito à privacidade

* por Marcos da Costa

Redação
Publicado em 17/10/2007, às 09h46

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* por Marcos da Costa



No livro 1984, de George Orwell, as pessoas são vigiadas por um sistema onipresente que tudo vê e controla. Atualmente, a segurança eletrônica e algumas leis podem tornar o big brother uma realidade O importante em toda tecnologia é servir a seus propósitos sem constituir uma ameaça aos direitos fundamentais dos cidadãos, como a privacidade e a intimidade.

O Sistema Nacional de Identificação Nacional Automática de Veículos – Siniav, o chip de monitoramento eletrônico que deve se instalado na frota de carros em São Paulo, propõe-se a coibir infrações, dar fluidez ao trânsito e limitar os problemas no licenciamento dos veículos, medidas certamente corretas; mas que, no entanto, também abrem a perspectiva para quebra do princípio da proteção à privacidade dos motoristas.

Em 1890, dois juristas americanos, Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis, publicaram um estudo considerado um marco na história do direito moderno, ao sustentarem que novos inventos e métodos comerciais reclamavam o surgimento de um novo direito fundamental do cidadão, construído a partir de direitos clássicos de proteção à pessoa e à propriedade, e que eles denominaram direito à privacidade, correspondente, nas palavras do juiz americano Cooley, ao direito de ser deixado em paz.

Passados poucos mais de 100 anos daquela publicação, vivemos hoje também a necessidade da criação de um novo direito do cidadão, curiosamente nascido a partir daquele direito à privacidade, que acabou consagrado no último século, fundado nos mesmas razões de desenvolvimento tecnológico e de métodos comerciais, agora por causa da tecnologia e pautado naquela mesma expressão singela, mas marcante, de que nos deixem em paz, direito esse que se constitui na proteção do cidadão em face do tratamento automatizado de seus dados – ou, nas palavras dos espanhóis, direito à autodeterminação informativa.

O recolhimento de informações privadas pelos sistemas automatizados, sem que sequer saiba o cidadão que seus dados estão sendo compilados; a troca de informações por órgãos públicos ou por empresas, ampliando significativamente o volume de dados; a capacidade de armazenamento de milhões e milhões de informações; a contínua diminuição dos custos de geração, transmissão, arquivamento e tratamento de dados; e, finalmente, por mais simples que possam parecer individualmente alguns dados, os resultados cada vez mais complexos dos tratamentos informatizados, com efetivo risco de violação à privacidade e à intimidade dos cidadãos, tornam imperiosa a consagração, no Brasil, desse novo direito.

No caso do chip para os carros, as autoridades estaduais e municipais confirmam que pode armazenar o número de série do veículo, placa, chassi e código Renavan, e tem capacidade de mapear o trajeto realizado por cada veículo. Preocupa-nos, neste primeiro momento, a captura e armazenamento de dados podendo expor a privacidade das pessoas. Armazenados esses dados, podem eles sozinhos, ou somados a outras informações, vir a sofrer tratamento automatizado, com resultados devastadores para a privacidade do motorista.

Além disso, permitindo a tecnologia a transmissão de informações entre o chip e as antenas, existe também a preocupação de que terceiros possam interceptar a comunicação, apropriando-se dos dados, inclusive para monitoramento das vias por onde um determinado veículo costuma passar. Interesses escusos não faltarão para isso.

A afirmativa das autoridades de que as informações serão mantidas em sigilo na CET por si só não é satisfatória, uma vez que não basta para garantir que este banco de dados não será acessado por terceiros, fazendo uso indevido das informações. Lembremo-nos dos CDs vendidos em praças públicas, com nossas declarações de imposto de renda. Mas, mais do que isso: não garante que, no futuro, não será modificada sua finalidade inicial.

A tecnologia a ser empregada – radio-frequency identification (RFID) utilizará uma rede de 2.500 antenas espalhadas por toda a cidade. Hoje, o sistema será empregado para ações ligadas ao trânsito, mas, uma vez instalada a infra-estrutura, nada poderá assegurar que, dentro de dois ou três anos, seu uso não extrapolará estes objetivos iniciais. Esta é uma preocupação legítima de todos os cidadãos que se vêem a cada dia mais "vigiados" pelo Estado.


* Marcos da Costa é diretor-tesoureiro da OAB SP e advogado especializado em Direito da Informática.

* Artigo extraído, na íntegra, do site da OAB – Seccional São Paulo (www.oabsp.org.br).
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