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Proibição de tatuagem em concursos e outros casos

Quando uma característica inferioriza determinada pessoa em um concurso, esta diferença deve ser compensada pelo Estado com uma vantagem, que traga todos os envolvidos a um mesmo patamar

Fernando Bentes
Publicado em 11/11/2015, às 10h53

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Um candidato a concurso público para a Polícia Militar do Estado de São Paulo (PM/SP) foi excluído do certame durante exame médico que constatou uma tatuagem em sua perna. Como o seu direito de permanecer na disputa foi negado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), houve recurso extraordinário interposto no Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu repercussão geral ao tema e deverá analisar o processo em caráter definitivo.
O postulado da igualdade formal estabelece que todas as pessoas devem ser tratadas da mesma maneira, sem discriminações. De modo geral, existem três critérios estabelecidos pelos tribunais brasileiros para exceções à igualdade formal: a previsão em lei, a disposição no edital e a necessária razoabilidade da restrição. Sendo assim, restrições especiais como a exigência de altura mínima ou de idade máxima para determinado concurso devem cumprir estes três critérios, pois estabelecem verdadeira exclusão de um certo número de candidatos.
É importante notar que estas restrições não têm absolutamente nada a ver com o postulado da igualdade substancial, que estabelece um tratamento desigual a pessoas desiguais. Quando uma característica inferioriza determinada pessoa, esta diferença deve ser compensada pelo Estado com uma vantagem, que traga todos os envolvidos a um mesmo patamar.
Dentro dessa lógica, a mulher grávida e o deficiente físico têm preferência em fila, por conta de condição especial de saúde. Em vestibulares e concursos públicos, deficientes e negros têm cotas especiais em razão da maior dificuldade que atravessaram para estudar ao longo da vida. No caso dos negros, ainda podemos somar o fato da discriminação racial, que dificulta suas chances sociais e restringe suas oportunidades de estudo e empregabilidade. Sendo assim, as cotas seriam um meio de criar um contingente de negros com curso superior e com cargos públicos, algo que poderia golpear a atribuição simbólica de sua inferioridade.
No caso das exceções à igualdade formal, como limitações de altura, idade e de tatuagens, não se está protegendo especialmente ninguém. Não é hipótese de consagração da igualdade substancial, mas de restrição de acesso justificado aos cargos públicos.
No caso da limitação etária e de altura, a administração pública tem o objetivo de restringir o acesso de pessoas que não possuem capacidade para desempenhar tarefas eminentemente físicas. Seria contra a eficiência da administração pública investir no treinamento e pagar a remuneração de pessoas que ficarão pouco tempo no auge de sua forma física. Este fato justifica a limitação etária.
Já o argumento da altura é bem problemático porque pessoas menores também podem ter uma capacidade de resistência, força e velocidade semelhante ou maior do que candidatos mais altos. É necessário um esforço de argumentação maior por parte da administração pública para dizer que o candidato pequeno não possa cumprir funções físicas.
Na hipótese da tatuagem, porém, não vejo muita discussão. As instituições públicas não devem ser um celeiro de subjetividades. As autoridades que comandam estes órgãos não podem impor seus gostos pessoais e exigir requisitos que não têm o menor sentido para a função que os candidatos de um concurso cumprirão. Uma pessoa portadora de tatuagem pode ser tão ou mais eficiente do que qualquer outra.
Estas proibições são estabelecidas de maneira conservadora. A sociedade sempre reputou às pessoas tatuadas um caráter inferior ou desviante e os grupos que utilizam este tipo de desenho corporal sempre foram marginalizados, como presidiários ou estivadores. Quando grupos sociais de maior status começaram a envergar tatuagens, este estigma se inverteu bastante. O uso de desenhos corporais por skatistas, surfistas, rockeiros e diversas outras celebridades fez com que a tatuagem fosse mais aceita, principalmente, pelo público jovem. Sendo assim, a proibição de tatuagem pode ser prevista em lei, pode ser prevista em edital, mas despreza qualquer noção de razoabilidade de cobrança em concurso público. A paisagem social é muito mais rica e heterogênea do que aceitam algumas instituições. 
E vou além! Além de irrazoável, esta restrição é contra o princípio da eficiência na administração pública. Preferir um candidato com nota menor sem tatuagem e desprezar um candidato com nota maior, mas com tatuagem, equivale a flexibilizar o critério meritório que deve reger os concursos públicos.
Espero que o julgamento do STF sedimente as bases para uma interpretação mais arejada e contemporânea do tema, que respeita as opções pessoais da sociedade e os critérios objetivos que devem nortear os concursos públicos.
Fernando Bentes é diretor acadêmico do site Questões de Concursos e professor de direito constitucional da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
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