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Uma funcionária excepcional

"A palavra preconceito parece mesmo não estar no vocabulário de Teresa".

Redação
Publicado em 02/10/2009, às 15h13

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No sítio espaçoso no interior de São Paulo, a infância foi desenho animado repleto de aventuras. As brincadeiras atrás de brincadeiras somavam-se ainda ao carinho excessivo dos avós, mas diferentemente das outras crianças, não se via Teresa do Prado correr pelo descampado, apostar corrida ou mesmo subir em árvores. Também ao contrário das outras, Teresa não começou a andar por volta dos dois anos, nem mesmo dos três. Os passos vieram quando tinha já quatro anos e, junto com eles, um tombo atrás do outro.

Distantes da capital e numa época em que a procura por médicos não era algo tão comum, os avós não se atentaram para a gravidade do problema e tampouco alguém por ali soube dizer o motivo. Foi só depois de adulta que Teresa buscou algumas explicações e descobriu que o que teve foi uma “ameaça de paralisia infantil”.

Para ela, no entanto, a dificuldade de andar nunca foi impedimento: “Eu caía, levantava e seguia em frente”. E assim foi mesmo depois que as quedas se transformaram em passado longínquo, pois Teresa nunca se curvou frente a nenhum obstáculo. No fim, só deixou de fazer duas coisas: correr ou andar em velocidade; o que a fez evitar algumas companhias pouco pacientes em acompanhar o seu compasso. Quando sabia que ia sair com alguém que não poderia esperar, já resolvia ficar mesmo em casa.

Com 12 anos, a família se mudou para São Paulo e no sítio Teresa deixou o ar puro e aquela liberdade toda. Na cidade “não tão grande” dos anos de 1950, os cuidados dos avós redobraram e Teresa pouco saía de casa. Numa das saídas, no entanto, levou um tombo dos feios e acabou com uma das pernas engessadas.  Quando tirou o gesso, já não podia mais andar.

Dessa vez, mais próxima dos médicos, procurou auxílio, e então descobriu que tinha uma perna menor que a outra. Segundo os especialistas, Teresa tinha “mobilidade reduzida”. Na época, a solução era revestir um dos calçados com couro (numa espécie de plataforma), o que o tornava quase como um chumbo: impossível de carregar. Logo Teresa deixou essa opção para trás e procurou tão somente um calçado confortável.

A palavra preconceito parece mesmo não estar no vocabulário de Teresa. Com os olhos distantes, como que mirando uma outra paisagem, ela desconversa, diz que não, nunca sofreu. Pode ser que esteja utilizando o mesmo recurso que utiliza nas poucas vezes que fica nervosa, trazendo para si apenas imagens bonitas e sentimentos positivos. “Se alguma vez passei por alguma situação de preconceito, nem tomei conhecimento. Não vou me apegar a algo que não irá me acrescentar”.

Aos 17 anos, arrumou seu primeiro trabalho. Como conseguiu? O tempo já se encarregou de apagar as memórias, ela apenas se lembra que foi sem dificuldade. Trabalho antigamente não era como hoje, difícil mesmo com diploma na mão. E então veio a paixão, o casamento, e a impossibilidade de trabalhar: “o marido não gostava”.

Depois da separação, no entanto, Teresa se viu na posição de “homem da casa” e decidiu procurar o seu sustento. “Virei profissional depois da emancipação da família”, diz com orgulho. Também dessa vez não teve dificuldades: desempenhou primeiro a função de escriturária e depois passou 23 anos como secretária de uma empresa. A reviravolta veio quando a empresa fechou. Teresa ainda acreditou um tempo na promessa de que abririam em novo endereço, aceitou realizar alguns trabalhos em casa, mas quando viu que nada ia acontecer, seguiu em frente.

Com mais de sessenta anos e “mobilidade reduzida”, esteve certa de que algo novo logo iria aparecer. Nos três anos em que ficou desempregada, dedicou-se aos trabalhos manuais e aproveitou para ler os livros que mais gosta: os de auto-ajuda. Encheu o tempo livre com cursos e mais cursos. Foram aulas sobre etiqueta empresarial, francês, recepcionista de consultório médico, serigrafia, modelagem industrial, entre tantos outros.

Hoje, no entra e sai do Atendimento ao Cliente da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), Teresa está sempre compenetrada, tão atenta quanto um médico durante a cirurgia. Afora os clientes estressados, que mesmo com empenho não conseguem tirá-la do sério, Teresa comemora o contato com pessoas gentis, que agradecem o seu trabalho e não poupam reconhecimento para a ajuda prestada. “A calma é a minha defesa”, reconhece sem falsa modéstia.

Admitida na Sabesp através de um curso realizado pela Avape (Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais), Teresa parece mesmo uma funcionária excepcional. Muito mais pela seriedade e conduta do que pelos três centímetros de diferença notados após muito reparo para descobrir a barra da calça que cobre mais um dos saltos. O que a torna diferente, sem dúvidas, é a certeza de que a idade avançada e a deficiência física nunca serão impedimento para nenhuma realização.

Nina Rahe

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