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Deus no céu e Céu na terra

por Lygia Roncel

Redação
Publicado em 04/06/2007, às 09h48

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por Lygia Roncel
lygia@jcconcursos.com.br


Ouvi seu nome pela primeira vez, há dois anos, da boca de Lorena Calábria, pouco antes de subirem os letreiros de um Ensaio Geral, contando ter deparado com seu disco em prateleiras parisienses, alçado como a "nova sensação brasileira" – no entanto, tão rápida e inesperadamente que me provocou a sede de caçá-la pelos quatro cantos, como a minha mais nova e nobre missão. Descobri, porém, que antes mesmo de saber seu curto e gracioso nome ou conhecer o rostinho fino de nariz arrebitado, minha caça e paixão por ela já germinavam, por culpa de sua interpretação sublime de "In my life", letrinha bonitinha dos inseparáveis Lennon & McCartney, usada na trilha de um comercial da Volkswagen. Mais sedutora do que o carro ou a criancinha da propaganda, sua voz acolchoada de veludo agasalhou minha alma e descobriu meu coração, deslizando como cubo de gelo pela espinha e provocando perplexidade e calafrio, como se em seu poder guardasse a senha para o meu baú secreto. Já apaixonada pela voz anônima, obsessiva e desventurosamente segui em busca de seu nome, que, de tão pequeno, escondeu-se como beija-flor num Jardim Botânico.

Há vinte e sete outonos, Deus criou Céu. Deu-lhe olhos cor de jabuticaba, cabelos em caracóis, narizinho afilado e um corpinho esguio de princesa de contos-de-fadas, um sorriso para o qual não se nega absolutamente nada, uma pitada charmosa de timidez e uma voz... ah, uma voz à qual misturou uma dose exata de rouquidão, outra de suavidade, um punhado de unicidade e magia, e apimentou com uma sensualidade elegante e espontânea de musa do jazz; como pincelada final, insculpiu mistério em cada milímetro seu e uma personalidade que, já de longe, parece duelar com a suposta fraqueza. Deu-lhe também, caprichosamente, uma alma corinthiana, dessas que vibram com o toque de uma flor e mantêm-se firmes durante os vendavais. Pôs então tudo isso em São Paulo, uma metrópole do seu tamanho, no berço esplêndido de um casal de oficiais da Arte: o compositor Edgard Poças, responsável pelo posterior sucesso da Turma do Balão Mágico (e que fez toda aquela geração da década de 80 cantar "Ursinho Pimpão" e "Amigos do peito" nas festinhas infantis), e a renomada artista plástica Carolina Whitaker, em cujos braços foi embalada desde cedo ao som de Nana Caymmi, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Clara Nunes e muito samba e bolero. O pai a registrou com o nome poético de Maria do Céu, nascida àquele 17 de abril do ano de 1980 – e, portanto, uma boa ariana, naturalmente sedutora como tal –, conforme afirma a certidão.

Ainda pequenina, enclausurava-se entre as paredes azulejadas do banheiro para um show acústico em que fazia covers de Nana Caymmi e outras vozes abençoadas do jazz como Betty Carter, Sarah Vaughan e Billie Holiday, como se ali fosse sua sala de aula e, aquela, a sua prova oral. O próprio pai ministrou-lhe aulas de teoria musical e violão; fora de casa, aprendeu um pouco de piano e fez cursos de canto lírico e popular, embora admita preferir a prática à disciplina e às tablaturas. Após quinze primaveras, ainda debutante, cansou-se da brincadeira de cantar no banheiro e decidiu o óbvio ululante: levaria aquilo a sério pelo ainda vasto resto da vida. E lá se foi a adolescente intrometer-se nos barzinhos do circuito alternativo paulistano, soltando a voz ainda juvenil à frente da banda de samba-funk Sistema PF de Som. Já aos 17 tem os holofotes sobre si no palco do teatro do Sesc Pompéia, no musical Braguinha 90 em 90, homenagem ao nonagésimo aniversário do compositor, misturada a intérpretes mais maduros como o sambista Noite Ilustrada, o bossanovista Johnny Alf e a respeitável Mônica Salmaso.

Quando acumulou dezoito velinhas no bolo, embarcou com seu talento para Nova York. Debaixo da tocha da Estátua da Liberdade e à sombra das ainda sólidas torres gêmeas, a garota quis seguir à risca a boa cartilha da música: afina as plumas da sua voz à teoria e à prática. Estuda canto e sobe em palcos sortidos, desde churrascarias a clubes latinos tradicionais como o SOB's. Divide um apê quarto-e-sala com três rapazes que, a partir de então, deixariam suas pegadas em sua biografia: Antonio Pinto, um primo distante, compositor das trilhas de Central do Brasil e Cidade de Deus, filmes que passaram a um triz do Oscar; Alec Haiat, ex-guitarrista do grupo Metrô e um dos compositores da trilha do filme O Invasor; e o produtor Tejo Damasceno, do grupo experimental Instituto, co-produtor da trilha de O Invasor, que finalmente a apresentou ao também produtor Beto Villares, em cujo currículo há o peso dos nomes de Zélia Duncan, Pato Fu, Herbert Vianna e Mestre Ambrósio.

Os oito mil quilômetros entre seu cubículo novaiorquino e seu doce lar paulistano foram responsáveis por uma tal "saudade inspiradora", que moveu seus dedos finos a tecer o que os lábios por fim cantariam – nascia em terra estrangeira a compositora, a nove horas de vôo da sua verdadeira pátria. Permaneceu sob o teto do tio Sam por um ano, durante o qual se manteve com os parcos dólares em troca de seus serviços como garçonete, seguradora de cavalos e faxineira – os subempregos de praxe para quem pisa além do território tupiniquim. À época - idos de 1998 -, deitou fresquinho nas prateleiras das lojas o primeiro disco de Lauryn Hill – The Miseducation of Lauryn Hill, um sucesso estrondoso no universo do hip-hop –, que também chegou às mãos de Céu e encantou seus ouvidos, diluindo-se um pouco em sua alma e inspirando-lhe talvez tanto quanto a saudade.

Finalmente de volta ao Brasil, desfila como garçonete pelo salão do badalado restaurante Spot, põe seus pezinhos de Cinderela no mercado publicitário e empresta sua docilidade a incontáveis jingles. Sob as asas dos novos amigos Antonio Pinto e Beto Villares, participa das trilhas das séries Cidade dos Homens (Globo) e Filhos do Carnaval (HBO), dos filmes Cidade Baixa e o hollywoodiano O Senhor das Armas, em cujos letreiros finais empunha o veludoso canto em bom senegalês, pulsando nas veias, junto ao seu, o ardente sangue africano, que ali permaneceria fundido, alterando perpetuamente as batucadas do seu coração. Tal veludo volta a forrar a noite quando a moça assume o microfone da banda Vitrola Stereophonica, um emaranhado de sons (jazz, samba, bossa, drum'n'bass, soul etc. etc. etc.) com um tum-tum-tum eletrônico. Ao mesmo tempo, faz uma temporada solo na Galeria Ouro Fino, reduto de gente descolada, bem no coração da cidade, e permeia álbuns diversos: de Rica Amabis (Sambadelic, 1999, na faixa "Falsa baiana"), Anvil FX (Miolo, 2002, em "Miolo de Fora", em que também assina a composição), Instituto (Coleção Nacional, 2002, em "Dama Tereza"), Beto Villares (Excelentes Lugares Bonitos, 2003, em "Nação Postal", composição sua), Nereu São José (Samba Power, 2005, em "Me faz cosquinha") e Apollo Nove (Res Inexplicata Volans, 2006, em três faixas).

Nos vãos entre os trabalhos em publicidade, inicia finalmente a gestação do seu primeiro disco, que dura por volta de dois anos e meio até que o rebento saia perfeitinho, bem do jeitinho que está hoje nas prateleiras. O parto até poderia ter sido feito pelas habilidosas mãos da Warner Music, não fosse a recusa de Céu, que torceu o nariz para algumas cláusulas do enlace e optou por uma produção independente. Foi então dado à luz em manjedoura francesa, venturosa e sabiamente no ensejo do Ano do Brasil na França, quando estávamos em voga naquele território; portanto, os primeiros raios de sol que o acolheram foram parisienses, às margens do rio Sena e sob a benção de revistas e jornais da terra de Edith Piaf, que o saudaram como "o álbum brasileiro do ano" e apontaram seu destino como promissor. Era uma profecia. Céu então precedeu outros compatriotas como Tânia Maria, Badi Assad e Lenine em festivais conceituados como o JVC Jazz Festival e o Nancy Jazz Pulsations, e conseguiu fazer desaparecerem nove mil discos seus dentro das fronteiras do Velho Mundo. Mágica.

Somente cinco meses depois, na noite inesquecível de 30 de novembro de 2005, apresentou sua pequena grande obra ao Brasil, no centro do populoso teatro do Sesc Pompéia, diante de oitocentos olhares perplexos em cuja transbordante euforia luzia a soberba de descobridor, de botânico diante de nova espécie de flor. Por aqui, distribuída agora pela Warner Music – que voltou a flertar com a moça, obviamente –, já fez, em janeiro de 2006, temporada concorridíssima no Grazie a Dio!, recanto da charmosa Vila Madalena, cujo nome nos inspira a lhe outorgar autoria divina. No mesmo mês, esteve no festival Humaitá Pra Peixe, no Rio, visitada no camarim por Caetano Veloso, que previu: "ela é o futuro". Não errou.

Em abril voltou ao Sesc Pompéia, em junho fez temporada no Studio SP, em outubro foi atração no TIM Festival carioca, em novembro já estava sendo indicada na categoria Revelação para o Grammy Latino, entrou para a trilha nacional da novela Pé na Jaca (Globo) e, em dezembro, já subia ao palco do Tom Brasil com João Bosco. Uau. Meteórico assim... Neste ano, no pouco tempo que passou em terras nossas, só em maio, já dividiu o palco do Auditório do Ibirapuera como convidada de Mariana Aydar, apresentou-se no Centro Cultural São Paulo, fez seis shows incríveis no Tom Jazz e mais um no Vivo Rio, mais uma vez com João Bosco. Para julho, ela promete voltar ao Tom Jazz e mostrar a voz ao resto do mundo na cerimônia de abertura dos Jogos Panamericanos, no Rio. Só isso.

Desde sua estréia, já voltou à França e peregrinou em turnê por palcos pequenos e grandes da Bélgica, Holanda, Canadá e, recentemente, Estados Unidos – onde, em 2 semanas, vendeu 20 mil cópias, distribuída pela rede Starbucks, entrou para o ranking de mais vendidos da revista Billboard e recebeu elogios do jornal Washington Post –, deixando seus rastros de açúcar enquanto avança pelo Ocidente.


(Na próxima semana, mais um artigo sobre a cantora, destrinchando seu primeiro e único disco)

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+ Resumo do Concurso Musiquè

Musiquè
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