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Caso Klara Castanho: entrega voluntária de bebê para adoção é um direito, não crime

A atriz de 21 anos divulgou que ficou grávida após ser estuprada, motivo de ter feito a entrega voluntária para adoção, procedimento permitido por lei. Leia a declaração de Klara Castanho na íntegra

Klara Castanho publicada carta aberta em sua rede social
Klara Castanho publicada carta aberta em sua rede social - Reprodução/Redes Sociais

MYLENA LIRA | REDACAO@JCCONCURSOS.COM.BR
Publicado em 26/06/2022, às 10h11

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A gestante tem o direito de fazer a entrega voluntária de um bebê para a adoção. Essa medida está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desde 2017, mas ainda é desconhecida por muitas pessoas. Justamente por isso, Klara Castanho tem sido criticada nas redes sociais. No último sábado (25), a atriz de 21 anos divulgou que ficou grávida após ser estuprada, motivo de ter tomado essa atitude "pensando em resguardar a vida e o futuro da criança".

O caso se tornou público após a apresentadora Antonia Fontenelle afirmar em uma live que uma atriz global teria engravidado e dado a criança para adoção, o que, segundo ela, seria "abandono de incapaz". Fontanelle não mencionou diretamente o nome de Klara Castanho, mas os interneutas passaram a repercurtir e associaram a história à Klara, que começou a ser julgada. O assunto chegou a ser o mais comentado no Twitter.

Contudo, a apresentadora está completamente equivocada. Klara Castanho não cometeu o crime de abandono de incapaz, previsto no Código Penal, que se caracteriza pelo ato de deixar a pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade sem assitência, desamparada, sendo incapaz de se defender dos riscos resultantes do abandono.

Em 11 de junho, por exemplo, uma criança de 6 anos morreu ao cair do 12º andar de um prédio, em Praia Grande, no litoral de São Paulo, após o pai sair e deixar a menor dormindo sozinha. Ela acordou assustada e foi pedir socorro na sacada, de onde caiu, conforme publicou o G1 Santos. O pai responde pelo crime de abandono de incapaz com resultado morte, que tem pena de reclusão de até 12 anos.

Entrega voluntária para adoção é um direito

A atriz apenas exerceu o seu direito de entrega voluntaria, procedimento assistido pela Justiça da Infância e da Juventude que possibilita a uma gestante encaminhar o recém nascido ou a criança para adoção. Permitida desde 2017 pelo ECA, a medida representa um avanço na proteção do melhor interesse da criança. Além disso, traz benefícios aos pais biológicos e adotivos.

Não são apenas vítimas de estupro que estão autorizadas a ingressar com esse procedimento, mas toda mulher que não queira ou não tenha condições de oferecer os cuidados necessários ao bebê. O objetivo da legislação é evitar casos de aborto ilegal, crimes de infanticídio e abandono de incapaz e até mesmo a adoção irregular.

Klara Castanho só se pronunciou sobre o assunto após a notícia se tonar pública, com informações erradas. Em seu relato, afirma que além de ser violentada por um homem também sofreu violência de médico e enfermeira que a atenderam, essa última seria a responsável pela gravidez chegar ao conhecimento da imprensa.

"Vocês não têm noção da dor que eu sinto. Tudo o que fiz foi pensando em resguardar a vida e o futuro da criança. Cada passo está documentado e de acordo com a lei. A criança merece ser criada por uma família amorosa, devidamente habilitada à adoção, que não tenha as lembranças de um fato tão traumático. E ela não precisa saber que foi resultado de uma violência tão cruel", ressalta a atriz em trecho do seu pronunciamento.

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Klara Castanho: relato completo

Confira abaixo, na íntegra, a carta aberta que a atriz publicou em seu instagram sobre a situação que culminou na entrega voluntária:

"Esse é o relato mais difícil da minha vida. Pensei que levaria essa dor e esse peso somente comigo. Sempre mantive a minha vida afetiva privada, assim, expô-la dessa maneira é algo que me apavora e remexe dores profundas e recentes. No entanto, não posso silenciar ao ver pessoas conspirando e criando versões sobre uma violência repulsiva e de um trauma que sofri. Fui estuprada. Relembrar esse episódio traz uma sensação de morte, porque algo morreu em mim. Não estava na minha cidade, não estava perto da minha família, nem dos meus amigos. Estava completamente sozinha.

Não, eu não fiz boletim de ocorrência. Tive muita vergonha, me senti culpada. Tive a ilusão de que se eu fingisse que isso não aconteceu, talvez eu esquecesse, superasse. Mas não foi o que aconteceu. As únicas coisas que tive forças para fazer foram: tomar a pílula do dia seguinte e fazer alguns exames. E tentei, na medida do possível e da minha frágil capacidade emocional, seguir adiante, me manter focada na minha família e no meu trabalho. Mas mesmo tentando levar uma vida normal, os danos da violência me acompanharam. Deixei de dormir, deixei de confiar nas pessoas, deixei uma sombra apoderar-se de mim. Uma tristeza infinita que eu nunca tinha sentido antes. As redes sociais são uma ilusão e deixei lá a ilusão de que a vida estava ok enquanto eu estava despedaçada. Somente a minha família sabia o que tinha acontecido.

Os fatos até aqui são suficientes para me machucar, mas eles não param por aqui. Meses depois, eu comecei a passar mal, ter mal-estar. Um médico sinalizou que poderia ser uma gastrite, uma hérnia estrangulada, um mioma. Fiz uma tomografia e, no meio dela, o exame foi interrompido às pressas. Fui informada que eu gerava um feto no meu útero. Sim, eu estava quase no término da gestação quando eu soube. Foi um choque. Meu mundo caiu. Meu ciclo menstrual estava normal, meu corpo também. Eu não tinha ganhado peso e nem barriga. Naquele momento do exame, me senti novamente violada, novamente culpada. Em uma consulta médica contei ter sido estuprada, expliquei tudo o que aconteceu. O médico não teve nenhuma empatia por mim. Eu não era uma mulher que estava grávida por vontade e desejo, eu tinha sofrido uma violência.

E mesmo assim esse profissional me obrigou a ouvir o coração da criança, disse que 50% do DNA eram meus e que eu seria obrigada a amá-lo. Essa foi mais uma da série de violências que aconteceram comigo. Gostaria que tivesse parado por aí, mas, infelizmente, não foi isso o que aconteceu. Eu ainda estava tentando juntar os cacos quando tive que lidar com a informação de ter um bebê. Um bebê fruto de uma violência que me destruiu como mulher. Eu não tinha (e não tenho) condições emocionais de dar para essa criança o amor, o cuidado e tudo o que ela merece ter. Entre o momento que eu soube da gravidez e o parto se passaram poucos dias. Era demais para processar, para aceitar e tomei a atitude que eu considero mais digna e humana.

Eu procurei uma advogada e conhecendo o processo, tomei a decisão de fazer uma entrega direta para a adoção. Passei por todos os trâmites: psicóloga, ministério público, juíza, audiência, todas as etapas obrigatórias. Um processo que, pela própria lei, garante sigilo para mim e para a criança. A entrega foi protegida e em sigilo. Ser pai e/ou mãe não depende tão somente da condição econômica-financeira, mas da capacidade de cuidar. Ao reconhecer a minha incapacidade de exercer esse cuidado, eu optei por essa entrega consciente e que deveria ser segura.

No dia em que a criança nasceu, eu, ainda anestesiada do pós-parto, fui abordada por uma enfermeira que estava na sala de cirurgia. Ela fez perguntas e ameaçou: 'imagina se tal colunista descobre essa história'. Eu estava dentro de um hospital, um lugar que era para supostamente para me acolher e me proteger. Quando cheguei no quarto já havia mensagens do colunista, com todas as informações. Ele só não sabia do estupro. Eu ainda estava sob o efeito da anestesia.

Eu não tive tempo de processar tudo aquilo que estava vivendo, de entender, tamanha era era a dor que eu estava sentindo. Eu conversei com ele, expliquei tudo o que tinha me acontecido. Ele prometeu não publicar. Um outro colunista também me procurou dias depois querendo saber se eu estava grávida e eu falei com ele. Mas apenas o fato de eles saberem, mostra que os profissionais que deveriam ter me protegido em um momento de extrema dor e vulnerabilidade, que têm a obrigação legal de respeitar o sigilo da entrega, não foram éticos, nem tiveram respeito por mim e nem pela criança.

Bom, agora, a notícia se tornou pública, e com ela vieram mil informações erradas e ilações mentirosas e cruéis. Vocês não têm noção da dor que eu sinto. Tudo o que fiz foi pensando em resguardar a vida e o futuro da criança. Cada passo está documentado e de acordo com a lei. A criança merece ser criada por uma família amorosa, devidamente habilitada à adoção, que não tenha as lembranças de um fato tão traumático. E ela não precisa saber que foi resultado de uma violência tão cruel. Como mulher, eu fui violentada primeiramente por um homem e, agora, sou reiteradamente violentada por tantas outras pessoas que me julgam. Ter que me pronunciar sobre um assunto tão íntimo e doloroso me me faz ter que continuar vivendo essa angústia que carrego todos os dias.

A verdade é dura, mas essa é a história real. Essa é a dor que me dilacera. No momento, eu estou amparada pela minha família e cuidando da minha saúde mental e física. Minha história se tornar pública não foi um desejo meu, mas espero que, ao menos, tudo o que me aconteceu sirva para que mulheres e meninas não se sintam culpadas ou envergonhadas pelas violências que elas sofram. Entregar uma criança em adoção não é um crime, é um ato supremo de cuidado. Eu vou tentar me reconstruir, e conto com a compreensão de vocês para me ajudar a manter a privacidade que o momento exige. Com carinho, Klara Castanho".

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Processo de adoção no Brasil

No Brasil, para adotar é preciso ter 18 anos completos e, no mínimo, 16 anos a mais que o adotando. É possível se candidatar à adoção independentemente de sexo, estado civil ou classe social. Pessoas solteiras e casais do mesmo sexo também estão aptos a adotar. Não há a necessidade de contratar advogado nem pagar taxas. O primeiro passo é ir pessoalmente à Vara da Infância e da Juventude da sua região. Após entrevista, haverá o encaminhamento para um curso preparatório obrigatório.

Concluídos os estudos social e psicológico, com a aprovação da documentação apresentada pelo adotante, o juiz vai proferir a sentença favorável à adoção. É nesse momento que o interessado entra na fila do sistema nacional de adoção para localização da criança ou adolescente com o perfil indicado. O tempo de espera vai depender do perfil indicado, principalmente da idade (a maioria de quem aguarda ser adotado tem acima de 10 anos).

Encontrado o adotando desejado, será iniciado o período de aproximação, quando mãe e filho se conhecem pessoalmente. Depois, começa o estágio de convivência, quando o jovem passa a morar na casa do adotante, que terá sua guarda provisória (momento que dá direito à licença maternidade). Encerrada essa fase, o juiz emitirá a decisão final. Com a sentença de adoção proferida em mãos, será o momento de providenciar o registro da criança no nome dos novos pais. O passo a passo do procedimento de adoção no Estado de São Paulo pode ser consultado aqui.

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