Na primeira audiência pública da comissão especial da reforma administrativa, parlamentares da oposição argumentaram que a PEC 32/20 irá precarizar o serviço público
Segundo um levantamento da secretaria de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, o governo federal gasta anualmente R$ 8,2 bilhões para manter 69 mil servidores de cargos extintos, incluindo ascensoristas, datilógrafos e técnicos de manutenção de videotape. A quantia supera todo o orçamento do Ministério da Infraestrutura, que é de R$ 6,7 bilhões em 2021.
Os números foram apresentados pelo secretário especial da pasta, Caio Mario Paes de Andrade, na audiência pública da Comissão Especial da Reforma Administrativa (PEC 32/20) realizada na última terça-feira (22).
"Entre 2014 e 2015, o governo federal contratou afinadores de instrumentos musicais e datilógrafos. Apesar de tais cargos terem sido extintos em 2019, os servidores permanecerão na folha de pagamento, em média, por mais 53 anos", explicou Paes de Andrade.
O governo espera que a reforma administrativa aumente a inovação no serviço público por meio de um novo regime de contratações e seleções e com um sistema de avaliação de desempenho. Alguns serviços poderão ser automatizados por meio de novas ferramentas tecnológicas e os servidores de cargos considerados obsoletos que não se aposentarem serão realocados ou desligados.
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No entanto, deputados da oposição temem que a proposta precarize o serviço público, ao permitir o aumento de cargos comissionados e possibilitar a redução de jornada de trabalho e de remuneração de servidores.
O relator da PEC, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), disse estar sensibilizado com a informação de quanto se gasta com carreiras que não existem mais. "Este modelo está ultrapassado e temos desperdiçado dinheiro público com carreiras que não trazem nenhuma contribuição ao Estado brasileiro", apontou.
Mas, ele lamentou que a PEC traz pouco de inovação. "A inovação é dizer que apenas terão estabilidade aquelas carreiras que são típicas de Estado", comentou. O relator observou que a definição de carreiras de Estado será feita por lei complementar.
Oliveira Maia também voltou a criticar a livre nomeação para cargos de chefia e liderança. "Este ponto da PEC realmente deve ser modificado. Não faz sentido favorecer o aumento da intromissão indevida da política na administração pública."
Caio Mario Paes de Andrade observou que, dos 600 mil servidores ativos do Executivo federal, 170 mil não estão sendo avaliados. "Muitos chegam ao topo da carreira em apenas dez anos e não são submetidos a avaliação. Quando avaliados, a nota média é 9,8. Vocês dariam nota de 9,8 para serviço público que recebemos?", perguntou.
O secretário reclamou que a promoção leva em consideração apenas o tempo de serviço, independentemente do desempenho satisfatório do servidor. Ele ainda questionou a concessão de bônus de eficiência a 32 mil servidores aposentados.
Andrade comemorou o avanço do Brasil no índice Governo Digital, alcançando a 16ª posição no ranking da OCDE. "As ferramentas digitais foram fundamentais para o pagamento do auxílio emergencial", disse. Dos 4.371 serviços oferecidos pelo governo, 69% são digitais. A principal plataforma, o portal gov.br, alcança 105 milhões de cidadãos.
"A grande inovação que podemos fazer para o País é tirar do papel. Inovação é fortalecer os bons servidores públicos, que merecem ser bem tratados. Não dá para lidar com tecnologia sem se preparar."
O presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp), Pedro Pontual, ponderou que a avaliação de desempenho precisa ser justa e o servidor deve estar protegido de perseguições.
"Devemos ser avaliados por nossa competência profissional", defendeu. Pontual cobrou mais planejamento para permitir a inovação no serviço público. "A PEC 32 não fala sobre planejamento. A inovação tem que ser agenda de Estado, pois não responde ao ciclo de quatro anos de governo", comentou.
Pedro Pontual também criticou a PEC por desconstitucionalizar as escolas de governo. "É desejável que a máquina pública tenha pessoas que se aperfeiçoem constantemente", argumentou.
O presidente da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), Diogo Costa, afirmou que, dos 521 mil servidores civis analisados na base de dados do Sistema Integrado de Administração de Pessoal (Siape), 105 mil exercem ocupações com alta propensão à automação. Entre os servidores aptos a se aposentar até 2030, 23% não precisariam ser repostos. Dos servidores que não vão se aposentar até 2030, 18% poderiam ser realocados ou desligados porque suas funções se tornarão obsoletas.
Diogo propôs uma mudança de paradigma para seleção de servidores, com análise de competências comportamentais e técnicas, análise curricular e de diversidade de trajetórias e equilíbrio entre análise objetiva e qualitativa. O presidente da Enap também defendeu uma estratégia de capacitação na administração pública, com resolução de problemas por meio de bases de dados e com foco nos resultados para os cidadãos.
O deputado Bira do Pindaré (PSB-MA) teme que a reforma administrativa leve ao aparelhamento político do Estado, com o aumento do número de cargos comissionados de 6 mil para 90 mil. "Não precisa destruir o serviço público e atropelar direitos para inovar. Como a tecnologia vai substituir o trabalho da professora? Vamos colocar o robô para fazer segurança na rua e aplicar injeção?", questionou.
O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) propôs um processo de seleção para cargos comissionados, com critérios objetivos. "Quem passa por processos de seleção no serviço público tem desempenho melhor do que quem vem de fora do serviço público", observou. "Obviamente não quero ver dezenas de milhares de cargos comissionados ocupados politicamente, precisamos reduzir. É absurdo o número de cargos comissionados que temos no Brasil, comparado com outros países."
O deputado Leonardo Gadelha (PSC-PB) observou que os servidores públicos precisarão ter novas competências por causa da nova onda de inovação. "Por mais que sejam qualificados os servidores do INSS, a detecção de fraudes é muito melhor com novas ferramentas de big data. Este debate não é ideológico, mas imposto pela inovação tecnológica. Estamos diante da mais avassaladora onda de inovação. O que vamos vivenciar nos próximos dez anos não se compara com os últimos 50", afirmou.
O deputado Rui Falcão (PT-SP) afirmou que o presidente Jair Bolsonaro e seus assessores não se qualificariam no processo de seleção e contratação proposto pela reforma administrativa. "Como os servidores municipais são inimigos, considerados parasitas, querem substituí-los por algoritmos. Acham que é possível substituir no curto prazo milhares de funcionários civis desqualificados, automatizando a administração pública. Não fazem o cálculo em relação aos militares", ironizou.
A procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto, criticou a reforma administrativa por ter como base a redução de custos, e não a melhoria de bens e serviços públicos. "É inconcebível falar em reforma administrativa sem planejamento", lamentou. Além da falta de planejamento, ela elencou como os principais problemas para inovação a falta de escola mínima na operação das redes de serviços públicos, a troca recorrente de quadros dirigentes e a insegurança jurídica.
Já o líder de Causas do Centro de Liderança Pública (CLP), José Henrique Nascimento, afirmou que a inovação pode ser utilizada para reduzir custos, melhorar produtividade e melhorar a jornada do cidadão. "A PEC 32 oferece oportunidades para modernizar o serviço público. Deveria discutir modelo de carreiras e carreiras obsoletas", recomendou. Para Nascimento, a chave da inovação está na gestão de desempenho. "A gestão do desempenho está relacionada a reconhecimento, não na base do medo. Não adianta atacar a estabilidade do servidor. Precisamos de evidências e critérios com objetivos e transparência." Nascimento também rejeitou a proposta de estágio probatório com competição interna. "Isso não é uma modernização. É necessário ter avaliação contínua", contrapôs.
A livre-docente e doutora em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) Irene Nohara defendeu que o Estado tem mais condições para inovação por sua capacidade de investimento em atividades consideradas arriscadas pela iniciativa privada. Ela considera desnecessário mudar a Constituição para implementar um plano de carreiras. Irene Nohara teme que o aumento de cargos de liderança e assessoramento sem critérios leve ao patrimonialismo. "Vai ser uma inovação destruidora, precarizando o serviço público", alertou.
Na reunião, os deputados também aprovaram 28 requerimentos para realização de audiências públicas com 86 convidados, na maioria representantes de sindicatos e associações profissionais de servidores. Entre os convidados também estão os ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, e da Educação, Milton Ribeiro, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Ainda foram eleitos o primeiro-vice-presidente da comissão, deputado Tiago Mitraud; o segundo-vice, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), e a terceira-vice, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).
*reprodução da Agência Câmara de Notícias
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